sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

De volta ao essencial

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Os portugueses têm por natureza, uma capacidade infindável para se perderem em assuntos laterais. Dedicam tempos sem fim a falar de minudências e pormenores, investem horas em reuniões de trabalho inconsequentes, apostam em noticiários e artigos de jornal vazios de contéudo, indignam-se com detalhes e extasiam com as vidas privadas dos conhecidos, gastam tempos incomensuráveis em transportes e apodrecem nos escritórios até às nove da noite, para impressionar o chefe.

A este propósito os temas dominantes dos últimos dias andam à volta das faltas dos deputados, irresponsáveis lúcidos; do julgamento da Casa Pia, continua cinco anos depois; das reuniões, negociações, greves, acordos, não acordos entre a nossa imparável Ministra da Educação e os "profissionais da sindicância".

Enquanto o país se preocupa com as falcatruas do BPN e companhia, o mundo continua na sua senda de crise e estagnação generalizadas. Os Estados Unidos, a um mês da tomada de posse do novo presidente, rejeitam, corajosamente, a ajuda financeira à indústria automóvel. Durão Barroso, no seu esforço constante para a reeleição, consegue in extremis a aprovação de um Plano de Ajuda conjunto que constitui a chave de ouro para um período de gastos incontroláveis e na minha opinião, e na maioria dos casos, inconsequentes.

Portugal prepara-se, agora legitimado por Barroso, para um bodo eleitoralista que irá fazer disparar, uma vez mais o nosso deficit. Alegres continuamos a pedalar para nos mantermos na mesma posição - a chamada "estratégia do urinol"

(Urinóis da Carcoran Gallery em Washington DC)

Transcrevo na íntegra uma notícia de hoje do Jornal de Negócios que nos deve preocupar e que infelizmente constitui a realidade que nos reduz à nossa insignificância e nos recorda a nossa incapacidade crónica.

“Os portugueses não sentiram melhorias significativas no seu nível de rendimento nos últimos 13 anos face aos parceiros comunitários, de acordo com os dados divulgados ontem pelo gabinete de estatísticas comunitário.

Portugal está na cauda da Zona Euro, perdeu poder de compra entre 2005 e 2007, já foi ultrapassado por Chipre, Eslovénia, Malta e República Checa - que só integraram a União Europeia em 2004. E a distância em relação ao poder de compra de outros novos Estados-membros como a Eslováquia, Polónia e Lituânia está cada vez mais curta.

Em 2007, o poder de compra dos portugueses encontrava-se 23,8% abaixo da média da União Europeia (UE), apenas 1,2 pontos percentuais acima da distância registada em 1995, altura em que se inicia a série de dados comparáveis disponibilizados pelo Eurostat. Isto não significa, necessariamente, que, em termos absolutos, o poder de compra não registou melhorias por cá. Apenas confere a certeza de que os restantes Estados-membros conseguiram no mesmo período uma melhoria mais significativa do que o nosso País, onde o rendimento por habitante, medido em paridade do poder de compra, foi de 18.955,8 euros em 2007, bem abaixo dos 27.162 euros da vizinha Espanha ou dos 66.307,7 euros do Luxemburgo”.

[French satirical cartoon map (’Carte drôlatique d’Europe pour 1870‘) sought to get some laughs out of those tensions by showing an anthropomorphic map of Europe, where each country was represented by a caricature of its national ‘persona’]

Estas são as questões essenciais, são estes os problemas que deviam abrir os telejornais e aparecer nas capas dos principais jornais, esta é a temática relevante que devia mobilizar opiniões e suscitar debates. Esta é a nossa realidade, nua e crua, não evoluímos, não melhoramos, não progredimos.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Regresso a Portugal

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Deixei Washington DC no passado dia 1 de Dezembro num voo transatlântico com passagem por Paris. Fica assim para trás, na saudade da memória, um dos mais felizes e preenchidos períodos da minha vida. Fica assim para trás uma das mais interessantes e educativas cidades do mundo, um povo lutador, optimista e positivo. Irei guardar para sempre junto das minhas melhores recordações o muito que aprendi, as amizades que criei, os hábitos que desenvolvi e as imagens que observei.

Ficarei para sempre ligado a esta cidade. Tal como uma vez escreveu Marjorie Williams - “the truth is that many newcomers stay forever, secretly at home in the city everyone loves to hate”.

Deixo-vos algumas das últimas fotografias que consegui. Uma noite fria e vazia numa cidade rica e cativante.

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Estar longe de Portugal um mês, três meses, doze meses ou dezoito meses é um tanto ao quanto irrelevante. Recordo uma vez mais e sempre o nosso Eça, aquele que melhor soube compreender e transmitir a imagem do nosso país –“o velho e rotineiro Portugal”.

Nos Maias, a sua obra prima, Eça conta-nos como Carlos da Maia, ao regressar a Portugal depois de alguns anos no estrangeiro, tem esta conversa sublime com o seu amigo Ega.


“ - Pois tudo somado, menino – observou Ega – esta nossa vidinha de Lisboa, simples, pacata, corredia, é infinitamente preferível.

Estavam no Loreto; e Carlos parara, olhando, reentrando na intimidade daquele velho coração da capital. Nada mudara. A mesma sentinela sonolenta rondava em torno à estátua triste de Camões. Os mesmos reposteiros vermelhos, com brasões eclesiásticos, pendiam nas portas das suas igrejas. O Hotel Aliança conservava o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.
- Isto é horrível, quando se vem de fora! – exclamou Carlos.
- Não é a cidade, é a gente. Uma gente feiíssima, encardida, molenga, reles, amarelada, acabrunhada!...”

Como são tristemente actuais as palavras de Carlos da Maia, como é horrorosamente semelhante a imagem do país, a descrição das gentes, a imagem dos locais. Portugal não muda e quando o faz imita toscamente e refina em mesquinhez, pequenez, intriga e inveja.

O país está cinzento e chuvoso, sem sabor, sem opinião, acomodado e sobretudo desmotivado e sem esperança. Os temas dominantes continuam os mesmos, não se alteraram, os protagonistas mantêm-se mas o país este, está mais pobre. A crise económica é generalizada e vai piorar, a letargia politica e o unanimismo consolidaram-se; ricos e pobres estão agora cada vez mais maneatados num colete de forças que sufoca a democracia e castra a criatividade e o empreendorismo.
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