quarta-feira, 27 de maio de 2009

Sonia Sotomayor

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Enquanto Portugal se encontrava mergulhado na audiência parlamentar a Oliveira e Costa, Barack Obama tomava uma das mais carismáticas decisões da sua, ainda jovem, administração. A nomeação de Sonia Sotomayor para juiza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos.

Sonia Sotomayor simboliza o espírito de renovação que se instalou na Casa Branca e que contagia até o mais empedernido anti-americano, mais do que isso, representa um tributo inestimável ao povo que hoje forma os Estados Unidos da America. Uma comunidade multiracional onde predominam os hispânicos, constituida por uma classe de trabalhadores incansáveis que acreditam no sonho americano e que corporizam os pilares da constituição e os desígnios dos “Founding Fathers”, deste país de oportunidades.

Esta decisão constitui um marco para a história da justiça americana e uma mudança profunda no papel conservador, elitista e fechado do Supremo Tribunal. A escolha de uma mulher de origem portoriquenha, humilde e liberal é o melhor exemplo da frescura Obama, de que os Estados Unidos e o mundo precisavam.

O Supremo Tribunal é a mais alta instância judicial dos Estados Unidos e um pilar fundamental do sistema de pesos e contra-pesos. É constituido por um “Chief Justice of the United States” e por oito juizes, todos eles nomeados pelo Presidente com o acordo do Senado. Qualquer um dos juizes, após nomeação, passa a exercer um mandato vitalício e só pode ser destituido por sua inciativa ou através de um processo de “impeachment”.

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Barack Obama, escolheu a juíza Sonia Sotomayor para ocupar a vaga deixada pelo juiz liberal David Souter. Sotomayor, de 54 anos, será a primeira latina entre os nove membros da alta corte norte-americana. É actualmente juíza de 2º instância, em Nova York.

A sua história pessoal é marcada pela dificuldade, pela pobreza e pela doença e constitui um exemplo único de preserverança, de valor e de mérito pessoal. Um percurso de sucesso pelas melhores universidades do mundo, Princeton onde se formou e Yale onde se doutorou, deram-lhe o estofo e o conhecimento que influenciariam as decisões que teve que tomar ao longo da sua carreira. Da pobreza característica do bairro social de Nova York a uma posição respeitada e de grande influência em termos sociais e políticos. Sonia Sotomayor cresceu em Bronxdale Houses, habitações sociais fornecidas pela Câmara, filha de país que se mudaram de Porto Rico para Nova York durante a 2ª Guerra Mundial. O seu pai, que trabalhava como soldador, morreu quando ela tinha 9 anos, deixando a sua mãe sozinha para a criar e ao irmão.

Numa entrevista passada, ela descreveu a sua ida para a Universidade de Princeton, onde se formou com máximo louvor em 1976, como uma experiência transformadora. Quando chegou ao campus vinda do Bronx, disse que se sentiu como "uma visitante aterrando num país estrangeiro". Nunca levantou a mão durante o primeiro ano que ali passou. "Eu sentia-me muito envergonhada e intimidada para fazer perguntas". Passei os meus anos em Princeton e nos meus vários empregos profissionais sem me sentir por completo uma parte do mundo que habito", disse ela, acrescentando que, em relação às suas realizações, "eu estava sempre olhando por cima do ombro e perguntando se estaria à altura.

Diabética de nascença e por isso obrigada a tomar insulina diariamente, este é aliás um dos factores que suscitam algumas apreensões quanto à sua longevidade e aptidão para o cargo.

Segundo o New York Times, alguns advogados descreveram os seus modos em tribunal como bruscos, mas muitos outros disseram em entrevistas que isso se deve apenas ao seu estilo directo de nova-iorquina. O juiz Martin Glenn, um veterano advogado de apelações que compareceu muitas vezes perante ela, refere que ela é amplamente considerada como uma excelente juíza. Acrescentou ainda que os advogados geralmente a vêem como uma representante do que chamam de "magistratura quente", significando com isso que as perguntas chegam rápidas e veementes, e os advogados devem estar perfeitamente preparados para elas

Este constitui mais um exemplo de um país extraordinário que reconhece os seus melhores, proporciona-lhes condições para produzir e para criar e premeia o mérito e o esforço.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Boa Prática Irlandesa

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A Irlanda, que se encontra numa situação bastante delicada em termos económicos e financeiros, tomou uma medida que deve constituir uma boa prática de gestão e ser seguida por outros países, em particular, pelo nosso governo.
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É conhecido o prazo médio de pagamentos elevadíssimo que o estado pratica para gerir as suas dívidas a fornecedores. Na realidade, esta tem sido uma das principais razões para a asfixia de muitas empresas que com ele lidam. Apesar das indicações em contrário e das boas intenções deste governo em diminuir este prazo, isto não tem acontecido, persistindo ao invés, prazos elevadíssimos e demoras intermináveis no pagamento a fornecedores.

Segundo notícia do Jornal de Negócios, o Governo irlandês prepara-se para, a partir de 15 de Junho, reduzir para metade, ou seja, para 15 dias, o prazo máximo de pagamento aos seus fornecedores, num esforço para aumentar a liquidez nas tesourarias das empresas e atenuar os efeitos da recessão. Em Portugal, segundo informações do Ministério das Finanças, o prazo médio de pagamento das entidades públicas em 2008 foi de 84 dias.

“Segundo a associação irlandesa de PME, o Estado demora, em média, 69 dias para pôr em dia as suas contas. A legislação actualmente em vigor, que data de 1997, fixa em um mês o prazo máximo de pagamento, ultrapassado o qual as empresas podem exigir o pagamento de juros de mora, à taxa de 11% ao ano.” (Jornal de Negócios)

A Irlanda, que durante vários anos foi uma referência em termos de política económica e de modelo de desenvolvimento, vive actualmente uma situação muito complicada. A economia irlandesa, muito aberta ao exterior e com um mercado interno de apenas 3,5 milhões de consumidores, encontra-se extremamente dependente das trocas comerciais e as exportações de bens e serviços representam quase 80% do Produto. Nos últimos anos, a Irlanda tem assistido a um acelerado ritmo de crescimento, quer em termos de produto, quer em termos de produtividade, devendo-se estes elevados níveis de desenvolvimento às políticas para atrair investimento externo, nomeadamente a sua agressividade fiscal.

A Irlanda, que já foi uma das economias europeias, com as mais elevadas taxas de crescimento, entrou em recessão em Setembro de 2008, antes de muitos outros membros da União Europeia. Desde então, o desemprego disparou. Em Janeiro, 326 mil pessoas estavam recebendo seguro de desemprego, o número mais alto desde 1967, quando a estatística começou a ser compilada.

Segundo o Presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, "A situação da Irlanda é ultra difícil", porque este país "vê-se confrontado com uma severa contracção da sua actividade económica". Mas "aplaudimos os esforços recentes que foram empreendidos pelo governo" irlandês "para se envolver na via de consolidação das finanças públicas", acrescentou, considerando que "as decisões tomadas são corajosas".

O governo irlandês anunciou em Abril uma série de aumentos de impostos e de cortes nas despesas para diminuir o défice público, que atingiu 7,1% do PIB em 2008, o nível mais elevado na União Europeia. Nas suas previsões económicas mais recentes, a Comissão Europeia aponta para uma contracção de 9% da economia irlandesa, este ano, e prevê que o défice atinja 12% em 2009 e 15,6% em 2010.

Independentemente da delicadeza da situação e da necessidade de medidas radicais, nomeadamente a subida dos impostos, os Irlandeses possuem uma margem importante para o fazer, contrariamente a nós portugueses, que possuímos uma das mais elevadas cargas fiscais do mundo.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Mercado Funciona!

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Em apenas cinco meses a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) já encerrou 36 bancos, nos Estados Unidos. O agravamento da situação económica, a escalada de incumprimentos causados por um aumento generalizado do desemprego e um declínio do poder de compra, tudo envolto numa depressão tremenda, tem contribuído para este crescendo de encerramentos de bancos.
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Os reguladores norte-americanos têm encerrado instituições bancárias ao ritmo mais rápido dos últimos 15 anos, uma média de 7 bancos por mês numa clara demonstração de agravamento da situação financeira mas também numa clara mostra de como funciona um mercado regulado sem por em causa a confiança dos depositantes.

A Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) é uma agência independente criada pelo Congresso para assegurar a estabilidade e a confiança dos americanos no seu sistema financeiro. Assegura a garantia dos depósitos até $250 000 e a análise e supervisão das instituições financeiras.


É curioso proceder à comparação de práticas e de procedimentos com a nossa realidade nacional. Tivemos até agora dois bancos, em situação difícil, por razões ao que tudo indica fraudulentas e criminosas e de forma imediata o nosso governo injectou milhões de euros dos contribuintes para os salvar, procurando assegurar a continuação do seu funcionamento. Ambos os bancos em dificuldade (BPN e BPP) têm um peso residual no volume total dos activos do nosso sistema financeiro e representam uma insignificância quando comparados com os bancos americanos encerrados. Só esta semana foram encerradas as operações de mais duas instituições no Estado do Illionois que, em conjunto, detinham activos no valor de mil milhões de dólares.

“The latest banks seized were Strategic Capital Bank and Citizens National bank, both in Illinois. The Federal Deposit Insurance Corp. will continue to insure regular deposit accounts of up to $250,000 at both banks.

Including the two closings Friday, five banks in Illinois have failed this year, with the last being Heritage Community Bank in Glenwood on Feb. 27.

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The list of bank failures is growing as falling home prices and rising unemployment cause more individuals and businesses to default on their debt. The 36 bank failures this year in the U.S. compare with 25 in 2008 and just three in 2007.

As the economy nationwide has soured, amid rising unemployment, tumbling home prices and soaring loan defaults, bank failures have cascaded and sapped billions out of the deposit insurance fund. According to the most recent data available, the fund now stands at its lowest level in nearly a quarter-century - $18.9 billion as of Dec. 31, compared with $52.4 billion at the end of 2007.
The FDIC expects that bank failures will cost the insurance fund around $65 billion through 2013.” (Associated Press)

domingo, 24 de maio de 2009

Até o Magalhães!!!

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Começamos a habituar-nos às aldrabices, às falcatruas, às vigarices e à prática do “chico espertismo”, doença recente mas com raízes seculares. Não há dia em que não dêmos de caras com mais uma chico-espertice. Desta vez, é o tão apregoado e publicitado computador Magalhães. A nossa jóia tecnológica, o expoente da nossa revolução simplex. Finalmente, uma entidade idónea vem dizer-nos que esta máquina miraculosa é o resultado de um processo ilícito e ilegal. Uma fraude económica de mercado, um atentado à livre concorrência, uma promoção propositada do tratamento desigual e um incentivo despudorado à falta de transparência.

Segundo o Semanário Sol, a Comissão Europeia considera que o computador Magalhães é ilegal e resulta da violação das leis da concorrência, uma vez que o Governo avançou para esta empreitada com contratos por ajuste directo. O tratamento desigual entre empresas leva Bruxelas a considerar que faltou transparência na forma de agir de Portugal.

“A Comissão Europeia (CE) considera que Portugal infringiu as leis comunitárias da concorrência ao adjudicar por ajuste directo, e não por concurso público, todos os programas governamentais ligados ao Plano Tecnológico da Educação. Está em causa a distribuição gratuita ou a preços reduzidos de mais de um milhão de computadores a alunos e professores – incluindo os 500 mil ‘Magalhães’ que o Executivo de José Sócrates prometeu distribuir pelos alunos do 1.º Ciclo.

As conclusões da Comissão liderada por Durão Barroso são preliminares e fazem parte da chamada fase pré-contenciosa da acção. Esta foi instaurada por incumprimento de Portugal da directiva 2004/18/CE (norma que regula a contratação pública na UE, de forma a assegurar a livre circulação de bens e serviços no Mercado Único Europeu). O processo nasceu de uma queixa apresentada pela empresa Accer na Direcção-Geral do Mercado Interno.” (Semanário Sol)

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Continuam os exemplos indecorosos, a que nos temos vindo a habituar, continuam as medidas dúbias e enviesadas. Como poderemos nós incutir ética, princípios e moral a este nosso povo inculto e permeável, quando todos os dias os nossos mais altos representantes democráticos nos premeiam com exemplos deste teor?!

Na realidade, e contrariamente ao que muitos possam pensar, esta ideia brilhante do Magalhães não nasceu em Matosinhos, na J.P Sá Couto.


Em 2004/2005 Nicholas Negroponte, fundador do Media Lab. do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e criador da organização sem fins lucrativos, One Laptop Per Child (OLPC), desenvolveu um computador, um laptop barato e leve, cujo objectivo era chegar a crianças entre os 6 e os 12 anos, em países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.




“O XO é feito com software livre e open-source. O nosso compromisso com a liberdade de software dá às crianças a oportunidade de usar os seus laptops segundo as suas próprias regras. Ainda que não esperemos que cada criança se converta num programador, não queremos impor um limite àquelas que queiram modificar suas máquinas. Usamos formatos open-document pela mesma razão: a transparência dá poder. A criança — e seus respectivos professores — terão a liberdade de reformar, reinventar e reutilizar o seu software, o seu hardware e o seu conteúdo.” (One Laptop per Child (OLPC))

Negroponte veio revolucionar este mercado, fazer um ataque frontal à indústria de tecnologia, que tem no motor da inovação, de softwares com mais e mais recursos e de hardware mais velozes, o seu modelo lucrativo de negócios. Viaja pelo mundo, fala com chefes de estado, ministros, empresários e banqueiros, dá conferências, participa em encontros e palestras, sempre com o propósito de divulgar este seu produto, alcançando mais uma vez, uma divulgação e uma penetração extraordinárias do modelo americano e um tributo, sem precedentes, ao conhecimento e à educação. Deixo este video de uma palestra de Negroponte sobre a sua história e sobre o produto que criou:


quarta-feira, 20 de maio de 2009

Obama e o Início da Revolução Verde

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A tão aguardada política ambiental/verde anunciada pelo candidato Obama começa a traduzir-se em acções concretas. Ainda ontem, no “Rose Garden” da Casa Branca, Obama anunciava as suas primeiras medidas para tornar mais “clean” a indústria automóvel americana e de passagem contribuir para uma redução significativa do consumo de petróleo e para um aumento da eficiência e da produtividade das produtoras automóveis.
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Foram anunciadas medidas que podem revolucionar o conceito tradicional do potente carro americano. Nos próximos anos, os americanos passarão a dispor de carros mais pequenos, mais eficientes em termos de consumo, menos potentes mas mais amigos do ambiente. Até 2016 automóveis e camiões pequenos deverão alcançar uma economia de consumo de 35 milhas por galão, ou seja, um pressing significativo em termos de redução de “greenhouse gas emissions” por veículo. (ver link abaixo)

New Fuel Standards: Pros & Cons
New Fuel Standards: Pros & Cons


“The White House called for a boost in CAFE (Corporate Average Fuel Economy) standards for cars and light trucks to 35.5 mpg by 2016. The program would begin ramping up with the 2012 model year. In addition, there would be a vehicle emissions standard that, when harmonized with the new CAFE standard set by NHTSA (National Highway Traffic Safety Administration), would make the new national standard on par with that sought by California. The state has mandated a 30 percent reduction in greenhouse gas emissions from cars and light trucks by 2016, starting with the 2009 model year.” (Washington Post)

Depois da aposta nas energias renováveis e dos investimentos para tornar energeticamente mais eficientes os edifícios públicos, chegou a altura dos automóveis. Esta administração dá assim mais um sinal da vontade de mudar, do espírito reformista e da preocupação ambiental.
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Estas medidas e este caminho eram há muito necessários e representam, finalmente, uma ruptura e um abanão na conservadora e atávica indústria automóvel americana. Não nos iludamos quanto ao custo destas medidas. O consumidor final ficará, porventura pior servido; carros pequenos, menos confortáveis, pouco potentes e sobretudo mais caros. Mas este é o caminho do futuro a bem da eficiência energética, da redução da dependência do petróleo, do aumento da competitividade das marcas e a bem da saúde do nosso planeta.

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“The price of the average car is expected to rise by $1,300. But Mr. Obama said, "over the life of a vehicle, the typical driver would save about $2,800 by getting better gas mileage." Administration officials say this new plan will not limit consumers' choices but will give them more-efficient motor vehicles in all categories. It is a needed intervention on the supply side. Now, if the administration and Congress would consider a boost in gas taxes, more consumers would want to buy more-efficient cars. Recalling the gas shortages of the 1970s, Mr. Obama noted, "Calls for action rise and fall with the price of a barrel of oil." There is an opportunity to put that cycle to rest.” (Washington Post)
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terça-feira, 19 de maio de 2009

Inconsequência e Irresponsabilidade

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A vitalidade e a robustez de uma democracia dependem directamente da sua capacidade para julgar e para punir os prevaricadores. Muito antes de existir o conceito de estado existia o conceito de justiça e de julgamento. Por isso mesmo, o aparelho judicial é crucial para assegurar o normal funcionamento de uma sociedade e de um estado.
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Portugal vive actualmente uma das mais graves crises ao nível da justiça, de que há registo. O nosso sistema de justiça alcançou o patamar mais baixo, em termos de confiança, de estabilidade e de segurança e afasta-se a passos largos dos cidadãos que é suposto julgar e proteger, caminhando na direcção da inconsequência e da irrelevância.

Os portugueses têm uma dificuldade inata em assumir as suas responsabilidades de forma consequente e efectiva. O síndrome do tipo porreiro está perfeitamente instalado e a convivência com o favor, a cunha, o apadrinhamento, o esquecimento compulsivo, a desculpa e a benevolência, constitui uma realidade incontornável. Proliferam as comissões de inquérito, os processos disciplinares, as suspenções de função, o apuramento de responsabilidades, com a mesma ligeireza com que se repetem os arquivamentos e as prescrições. Ninguém é responsável, ninguém é culpado, ninguém é punido!

Casos recentes constituem um bom exemplo: O caso Freeport fica parado durante 3 anos e ninguém é responsabilizado. 15 mil desempregados são “apagados” do Instituto de Emprego e ninguém é responsabilizado. Os processos e os contratos da Cova da Beira são destruídos ilegalmente, no Ministério do Ambiente, e ninguém é responsabilizado. Os alunos de Castelo de Vide são ludibriados por uma gravação solicitada pelo Ministério da Educação, que afinal se destina à campanha eleitoral do partido socialista, e ninguém é responsabilizado. Toda a documentação notarial da casa da mãe de Sócrates perde-se no notário, e ninguém é responsabilizado. Procedem-se a alterações cruciais em PDMs, zonas protegidas, reservas agrícolas, com consequências irreversíveis, na paisagem e no meio, e ninguém é responsabilizado.

Acha-se normal que uma conversa ao mais alto nível, onde é clara a existência de uma tentativa para influenciar e para condicionar, deva ser entendida como uma conversa de amigos e associada à insígnia da amizade e ninguém se indigna e se demarca.

Mais uma vez os Estados Unidos constituem um exemplo em termos de aplicação, de celeridade, de responsabilização e de consequência. Recentemente, o Air Force One, o avião presidencial, sobrevoou Manhattan a baixa altitude, provocando uma onda de medo e a memória do pânico associado aos atentados do 11 de Setembro. O objectivo era tão somente tirar umas fotografias sobre a Estátua da Liberdade. O presidente foi confrontado com este acontecimento e referiu, de forma peremptória, que se havia tratado de uma falha que não voltaria a acontecer (video sobre a pergunta e resposta do presidente):


As consequências chegaram poucos dias depois com a demissão do responsável pelos assuntos militares, Louis Caldera.

“President Obama accepted the resignation of Louis Caldera, director of his military office, after an internal probe found Caldera disregarded recommendations the public be notified about the trip. Initially, plans called for warning New Yorkers in advance a military aircraft would be in the air. Instead, the military office decided to react to media inquiries, not to make a prior announcement, according to the review by Jim Messina, White House deputy chief of staff.

"The FAA warned the military office that the media needed to be advised of the flight," said an administration source. "There were red flags." Caldera's office insisted the flyover was a "classified" mission.

The review also discovered concerns about the plan in e-mails that Caldera said he did not open for days because he was taking pain medication for severe back spasms. The low-flying aircraft scared some people on the ground and in buildings, fearing another 9/11 attack. An F-16 fighter jet, which took the photo, trailed Air Force One in the skies above New York and New Jersey, adding to the drama.” (New York Times) (Ver video da Associated Press):



Apesar de ser cada vez mais frequente a utilização do verbo responsabilizar é também verdade que a sua aplicação efectiva fica bastante àquem do que seria desejável. Enquanto isto acontecer, muito dificilmente conseguiremos construir uma sociedade onde os cidadãos possam usufruir das plenas capacidades democráticas.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Combater a Crise com Viagra

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A recente notícia da farmacêutica Pfizer, no Bloomberg constitui um exemplo original e desafiante de combater a crise e de apoiar a grande massa de desempregados americanos. A Pfizer decidiu oferecer mais de 70 dos seus medicamentos, incluindo o Viagra, aos milhares de norte-americanos sem emprego e sem seguro de saúde.

Este programa, denominado “Maintain”, resultou da pressão de um grupo de trabalhadores da farmacêutica que testemunhavam as dificuldades de familiares, amigos e vizinhos para comprar medicamentos. O projecto será lançado no próximo 1 de Julho e durará cerca de um ano.

“May 14 (Bloomberg) -- Pfizer Inc. is offering as much as a year of free medicine, such as the Lipitor cholesterol pill and Viagra for sexual dysfunction, to Americans who lost jobs and health insurance.

The program covers more than 70 medicines for people who can demonstrate unemployment since Jan. 1, have no drug insurance and were taking a Pfizer product for at least three months before the job loss, the New York-based drugmaker said today in a statement.

Jorge Puente, regional president for worldwide pharmaceuticals, suggested the program a month ago to help the 46 million Americans without health insurance, Pfizer said. The number of people collecting unemployment insurance was 6.56 million last week and the jobless rate has climbed to 8.9 percent, the highest since 1983, according to U.S. Department of Labor.

“The current economic environment has added considerable new stress to the daily life of millions of hard-working Americans, and our colleagues are responding to help their neighbors in the communities where they reside,” said Pfizer Chairman and Chief Executive Officer Jeffrey Kindler. “We are doing what we can to ensure that recent loss of employment does not preclude people from managing their health.”

A Pfizer spokesman, Ray Kerins, declined to say how much the program would cost Pfizer or how many people may be eligible.

To get free Pfizer drugs, patients must “attest to financial hardship.” The medicines are available free for as much as a year or until the patient finds a job.”

A este propósito deixo esta interessante análise gráfica que quantifica os hábitos sexuais dos habitantes da cidade de Seatle, estado de Washington. Encontrei-a no “Urban Cartography” mas não faço ideia como terá sido calculada.
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Que Cosec esta!!

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Na sua última intervenção na Assembleia da República, o nosso Primeiro Ministro, no seu afã de apresentar medidas e iniciativas para debelar a crise que nos sufoca, sacou da cartola mais uma pérola mediática – a compra da Cosec.

A Cosec é uma seguradora detida em partes iguais pelo BPI e pela Euler Hermes, do grupo alemão Allianz. Dedica-se aos seguros de créditos relacionados, sobretudo, com transacções com o estrangeiro, ou seja, a Cosec assume o risco de cobranças incertas por parte de quem pretende exportar. Obtém informações sobre os importadores, avalia o risco de incumprimento e fixa o respectivo prémio a ser pago pelo exportador.


O que tem vindo a acontecer, cada vez com maior insistência, é que a avaliação de risco reflecte o aumento normal do grau de risco das exportações, para alguns países e empresas. As dificuldades são generalizadas e afectam quase todos, o que faz aumentar exponencialmente as probabilidades de incumprimento. A Cosec enquanto empresa a actuar numa economia de mercado livre e aberta, com a preocupação de rentabilizar os seus activos e maximizar os seus lucros, procura reflectir esta situação nas suas práticas de gestão e no custo e aprovação das operações que lhe são propostas.

O que o governo pretende, com esta medida Chávez, é que a Cosec dê garantias e assuma riscos em casos que racionalmente não assumiria. A perspectiva é de que os casos de incumprimento aumentarão, as decisões serão baseadas em critérios políticos de avaliação do risco e os prejuízos acabarão por ser assumidos politica e financeiramente pelo estado, isto é, pelos contribuintes. As pessoas que trabalham e as empresas saudáveis verão os seus encargos aumentar para suportar decisões arriscadas, pouco ponderadas e irrealistas por parte de empresas desesperadas.



Segundo escreveu Camilo Lourenço, no Jornal de Negócios. “A conclusão é óbvia: se a Cosec está a restringir os seguros à exportação, isso deve-se ao risco das operações em causa. Se o Estado quer ser ele a dizer quem se deve segurar e a que preço, isso significa mudar os critérios segundo os quais esse risco é avaliado. Ou seja, passa-se de risco empresarial para risco político. É uma boa solução para os empresários e uma excelente solução para os vendedores: quem quer estoirar o seu capital a segurar exportações com base em critérios políticos de avaliação do risco? Mas é uma péssima solução... (adivinhou, leitor) para os contribuintes. Tudo isto num Estado onde a dívida pública está quase nos 81,5% do PIB. Fantástico!”


A complicar, ainda mais, esta decisão imponderada, parece que os accionistas alemães não estão interessados em vender a empresa. Pelo menos estão interessados em explorar um anúncio precipitado e uma decisão controvérsia do governo português. Das duas uma, ou partirá o estado para um modelo de nacionalização compulsivo, ao preço que lhe pareça mais justo, ou negociará subservientemente com os alemães até que estes se sintam satisfeitos com o preço que o governo português lhes propuser. Em ambos os casos sairemos a perder. Esta é uma decisão, irresponsável e oportunista mas, infelizmente, bastante consequente para os portugueses e para o erário público.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Carlos Carreiro - o Prodígio da Imaginação

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É um orgulho falar sobre Carlos Carreiro e sobre a sua pintura. É aliás sempre um orgulho falar sobre um açoriano ilustre e ainda mais quando falamos de alguém que é primo e amigo. A diferença de idades que nos separa não tem impedido que convivamos de forma despreocupada e divertida.

Falar de Carlos Carreio é falar de uma imaginação prodigiosa, de uma criatividade sem limites, é falar de uma contagiante boa disposição, de um humor refinado, de uma personalidade vincada pela vida.
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O humor e o optimismo são, sem dúvida, algumas das suas qualidades e aparecem, desconcertantemente, na sua pintura; um bode a tocar harpa, um casal de sapos em cópula lasciva, um casal de lulas eróticas, uma casa em forma de avião ou uma barbie a ser pintada a pistola de tinta. Mente brilhante, espírito livre, alheamento total.

Adoro as suas pinturas, os seus desenhos; profundos de luz e de vida, misto de sonhos e de cores, luxuriantes, originais, únicos, inigualáveis. A figuração narrativa da pintura, a mudança de escala dos objectos, o pormenor, o detalhe amiúde chocante e a descoberta de mais uma história, de mais um enredo. Até hoje, nunca encontrei nada similar.


A minha mãe apreciava-o muito, gostava das cores vivas, do imaginário e do chocante, apreciava o humor e a personalidade desbocada. Conheci a sua pintura através dela e de imediato me encantei com os seus quadros. Recordo quando ainda nos Açores e no começo da sua vida de pintor, era eu uma criança, nos visitava na Ribeira Grande para levar de empréstimo alguns exemplares da National Geographic Magazine que meu pai recebia. De facto, muitas das suas pinturas transportam-nos para aí, para um mundo de sonho e de ficção, povoado de seres imaginários e criaturas fantasiosas, densos de imagens e plenos de vida.

Em 1976 formou, com um conjunto de amigos o Grupo Puzzle. Graça Morais, Jaime Silva, Dario Alves, Albuquerque Mendes, Pedro Rocha, Fernando Pinto Coelho, João Dixo e Armando Azevedo integravam este grupo de intervenção rebelde e contestatário que realizou exposições no Porto, em Lisboa, e ainda em França, Brasil e Suécia. O Carlos participou em mais de 300 exposições colectivas, em Portugal e no estrangeiro e realizou mais de 32 exposições individuais. Expôs pela primeira vez em 1967 e foi o mais novo pintor de entre os artistas portugueses que no início dos anos 70 enveredaram por uma arte narrativa. O crítico de arte Fernando Pernes chamou-lhe, em 1973, o "Jeronimus Bosh na sociedade de consumo".



Os seus quadros estão um pouco por todo o mundo; na Fundação Calouste Gulbenkian, na Fundação de Serralves, no Museu Carlos Machado, na Presidência da República, na Assembleia Legislativa dos Açores, na Assembleia da República em Lisboa e na sede do Governo Regional assim como em diversas Secretarias regionais, nos Hospitais da Horta e de Ponta Delgada, no Museu da Horta e no Museu do Nordeste.
Gosto de o visitar e de o observar a pintar, gosto da sua vida despreocupada e da sua dedicação total à pintura e às viagens, admiro a sua capacidade de trabalho e a sua vontade de continuar a criar.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Cultura Americana

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Não posso deixar de reproduzir a última crónica de Inês Pedrosa, no Semanário Expresso. Subscrevo-a na íntegra uma vez que traduz aquilo que, de forma tão transparente, penso e que sempre tenho procurado exprimir nos textos que tenho deixado aqui no blog.
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Na linha suave de uma Oriana Fallaci, que tanto aprecio, Inês Pedrosa fala-nos da força de espírito e da capacidade empreendedora “...eu nunca tinha visto Nova Iorque desgrenhada de desalento, e julgava que esta seria uma visão impossível. À ingratidão ela responde com orgulho e riso, do desespero faz raiva e força...”, fala-nos da visão de longo alcance “o poder dos Estados Unidos nasceu sempre dessa capacidade de pôr os olhos no futuro...”, fala-nos da cultura do mérito e dos benfeitores “....essa cultura do mérito faz toda a diferença e torna as universidades americanas cada vez mais internacionais - dedicadas aos melhores, independentemente de nacionalidades e rendimentos...” e fala-nos da energia e da vida deste povo que nunca baixa os braços, que nunca se resigna.
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......................................................Cultura Americana

"Já sabíamos que Nova Iorque resiste a tudo, da mais inócua inveja aos massacres do ódio cego. É essa coragem - tão judaica - de renascer sempre, e com uma energia construtiva imparável, que faz o génio luminoso desta cidade. Resistirá também a mais esta crise, sem dúvida. Eu nunca tinha visto Nova Iorque desgrenhada de desalento, e julgava que esta seria uma visão impossível. À ingratidão ela responde com orgulho e riso, do desespero faz raiva e força; agora encontro-a de chinelos de quarto e olhos papudos - sem sequer ter no dedo um cigarro para baforar de boémia a tristeza hiper-realista que lhe caiu em cima.

O que eu mais gosto de fazer em Nova Iorque é andar a pé. O meu amigo Jorge Colombo, que mora nela há muitos anos, habituou-me a passear pela cidade como por um imenso e mutante museu. As ruas de Nova Iorque são um mostruário do mundo e um caudal de inspiração. Acresce que ao lado do Jorge é impossível deixar escapar um qualquer pormenor deste particular universo urbano. Depois dos dailies (retratos de nova-iorquinos sortidos), Colombo faz agora iSketches, desenhos da cidade no iPhone, a pinceladas fortes, com a ponta dos dedos - a inovação foi saudada na comunicação social americana e inglesa e eis que, no auge da crise, Colombo se viu convidado para expor e vender estes trabalhos numa galeria de arte virtual
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Nas ruas de Nova Iorque sucedem-se as lojas fechadas com anúncios para venda - muitas delas ginásios. As pessoas voltam a ser treinadoras pessoais de si mesmas. A imprensa, a começar pelo "Wall Street Journal", publica comboios de textos gabando os méritos da alma (um vício barato). Muitos restaurantes estão vazios, mesmo à sexta-feira à noite. Fecharam revistas - ou mudaram as suas sedes para estados e cidades mais baratos. A falta de dinheiro vê-se, pesa no ar. Por outro lado, há um espírito de harmonia na cidade. Nas banquinhas de recordações para turistas, alinham-se estatuetas de Obama, T-shirts com louvores ao herói Obama, canecas encomiásticas com a cara de Obama. Falta o toque a mentol e maldade que fazia o picante da cidade no tempo em que estava cheia de vudus-Bush. Por quanto tempo continuarás santificado, Barack Obama? Ainda bem que não és branco, nem mulher. Sempre o estado de graça dura mais um bocadinho. Na capa da "New Yorker", o desenho do famoso cão de água português, posando solitário nos imensos relvados da Casa Branca, com focinho de quem pergunta uma de duas coisas: a) que faço eu aqui? b) como é que o meu dono vai safar-se? Mesmo desalentada, Nova Iorque sabe rir-se de si mesma e trabalhar sobre esse riso estimulante. Faz da frugalidade a nova moda e avança para o futuro.
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O poder dos Estados Unidos nasceu sempre dessa capacidade de pôr os olhos no futuro. As universidades americanas - tive agora a oportunidade de visitar várias - são o exemplo visível desse investimento; mesmo nas mais pobres é evidente uma preocupação de democracia real no acesso ao ensino, que se traduz em boas bibliotecas abertas em horários alargados (em certos casos, 24 horas por dia), e vastas e acolhedoras salas de leitura. Ninguém ficará discriminado por não ter biblioteca em casa, ou por não ter um quarto que seja seu. Onésimo Teotónio de Almeida, há longos anos professor na belíssima e famosa Brown University, em Providence, faz-me notar que os muitos alunos espalhados pelas bibliotecas, salas de leitura ou bancos de jardins estão, invariavelmente, a trabalhar. Essa cultura do mérito faz toda a diferença e torna as universidades americanas cada vez mais internacionais - dedicadas aos melhores, independentemente de nacionalidades e rendimentos.

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Há nos Estados Unidos uma cultura da participação cívica e da gratidão que se mostra extraordinariamente eficaz: as universidades são largamente sustentadas por benfeitores, muitos deles antigos alunos, que assim retribuem a formação recebida. Um aluno brilhante sem capacidade para pagar as propinas terá uma bolsa de estudo. Acresce que há também uma cultura de trabalho juvenil (na restauração, limpeza ou baby-sitting) para pagar os estudos superiores - cultura essa que favorece o empenhamento nos estudos, porque o que é difícil tem sempre mais valor. A crise acabará por desaparecer - ao contrário das universidades, dos estudantes, dos livros e do sol."
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