“Chasing the Flame” é o livro de Samantha Power sobre a vida e o trabalho de Sérgio Vieira de Mello; uma biografia exaustiva e trabalhada sobre a admirável trajectória do diplomata brasileiro, os cargos que ocupou, a sua envolvente politica, humana e familiar, os seus ideais, as suas preocupações e motivações, as relações humanas, sua mais valia, a sua capacidade negocial e a sedução como arma de combate.
Sérgio Vieira de Mello encarna alguns dos melhores valores que inspiraram a fundação da ONU: alguém que dedicou toda a sua vida a uma causa e a um ideal. Em todas as zonas de conflito em que actuou ao longo dos seus 34 anos de carreira na ONU - Bangladesh, Sudão, Moçambique, Líbano, Ruanda, Kosovo, Timor Leste e Iraque –, Vieira de Mello mostrou a mesma preocupação com a dignidade das vítimas da guerra, do desterro e da fome. Um homem corajoso e lutador que viveu também o dilema da incapacidade e das limitações da ONU e que nos revela a relativa impotência da organização diante das grandes catástrofes humanas da história recente.
Sem autonomia de combate, as forças de paz da ONU são muitas vezes chamadas para missões paliativas, nas quais se limitam a "monitorar" massacres em curso. As determinações do Conselho de Segurança revelam-se frequentemente vagas, porque os países-membros não se querem comprometer com linhas de acção claras. Um exemplo rico de informação sobre esta temática é a sua missão de 1982, ao lado das forças de paz no Líbano – a invasão do país por Israel em desacordo com as resoluções da ONU, constituiu uma dura decepção.
Vieira de Mello é também um produto do Maio de 68 (participou nos protestos estudantis e foi gravemente ferido), um rebelde idealista com uma sólida formação de esquerda e com uma matriz claramente francófona, o lado europeu da ONU por oposição ao lado anglosaxónico. Vieira de Mello era um pensador dos tempos modernos, um verdadeiro Indiana Jones da diplomacia, com uma sólida formação filosófica. Tinha um Mestrado e um Doutoramento em Filosofia pela Sorbonne (Doctorat d’état) com o título - “Civitas Maxima: Origins, Foundations, and Philosophical and Practical Significance of the Supranationality”. Nele apresenta-nos a sua própria versão de uma sociedade utópica igualitária e introduz uma teoria afirmativa do universalismo baseado no respeito mútuo entre países.
Samantha Power descreve-nos de forma meticulosa o diplomata e o homem, o filósofo e o operacional, o romântico e o solidário, o utópico e o pragmático, o idealista e o lutador.
Curiosamente, esta americana de origem irlandesa é uma das principais ideólogas da politica externa preconizada pelo actual presidente Obama. Doutorada em Havard, professora de relações internacionais na Kennedy School of Government, directora do Carr Centre for Human Rights Policy, já foi correspondente de guerra e vencedora do Pulitzer com o seu livro - "A Problem from Hell: America and the Age of Genocide" (fala-nos sobre a forma como a América lidou com o genocídio ao longo do século XX, incluindo os massacres do Ruanda, Bósnia e Darfur). Power simboliza a nova forma de abordar a diplomacia americana, representa um certo regresso a um tipo de diplomacia Clinton, que foi tão bem descrita por Hillary como “smart power”.
Enquanto concluía o livro sobre Sérgio, fechada em casa, só interrompia o trabalho quando duas pessoas lhe ligavam: a mãe e Obama ("It"s Obama. Call me"). Em 2004, ficou tão impressionada com ele, que decidiu suspender as suas actividades académicas para ir ajudá-lo no Congresso. Regressou para ajudá-lo na campanha até à infeliz entrevista a um jornal escocês em que se referiu a Hillary Clinton como a “monstra”. Foi expulsa da campanha presidencial, pediu desculpa e ausentou-se durante uns tempos. A opinião unânime era de que Obama não passaria sem a sua ajuda e assim aconteceu. Samantha Power voltou, sorrateiramente, para integrar a equipa de transição de Obama.