quarta-feira, 30 de setembro de 2009

“Crisis” - a Arte da Negociação

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Assisti recentemente ao documentário “Crisis: Behind a Presidential Commitment” de Robert Drew, um documento histórico sobre a forma como o Presidente John Kennedy e o "Attorney General", seu irmão Robert, lidaram com a oposição do Governador George Wallace à integração racial na Universidade do Alabama.
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Em 1963, dois jovens negros decidiram matricular-se na universidade estadual do Alabama, enfrentando o poder instituído e desafiando os preconceitos racistas, ainda tão presentes nos estados do sul. James Hood e Vivian Malone revelaram a sua coragem e a sua determinação ao enfrentarem os interesses instalados, num estado conservador e tradicional, alimentados pelo primarismo de um Governador irresponsável.:

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A questão relevante colocou-se quando o Governador afirmou que ficaria na porta da universidade para impedir os dois jovens de entrarem e de se matricularem. O gesto por si só representava uma afronta directa à legislação federal de 1954, que abolia a segregação racial nos Estados Unidos e, consequentemente, o desrespeito pelo cumprimento de uma ordem judicial federal.
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É certo que o processo de implementação da legislação de 1954 demorou a sair do papel no sul, onde a resistência dos brancos era muito forte. Os primeiros anos da década de 1960 foram de fortíssima actividade do movimento dos direitos civis na região, com greves, boicotes, manifestações e marchas. Precisamente nos estados mais racistas, Alabama e Mississipi, os protestos quase sempre terminavam em pancadaria ou mesmo assassinatos, com a polícia fechando os olhos, enquanto o Ku Klux Klan e outros grupos extremistas cometiam os seus crimes.

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Robert Drew, de forma exemplar, retrata-nos, in loco, a maneira como os Kennedys lidaram com a crise, procurando equilibrar o seu compromisso com os direitos civis, com a necessidade de não perder apoio político no sul e com a preocupação de manter a ordem e minimizar os desacatos. O Presidente permitiu um acesso sem precedentes a Robert Drew e à sua equipa de filmagens, que conseguiram assim acompanhar o processo de decisão dos dois lados; esta é, aliás, uma das mais valias deste documentário.
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Uma sucessão de telefonemas entre o Presidente Kennedy, o “Attorney General” Robert Kennedy e o “Deputy Attorney General” Nicholas Katzenback, apresenta-nos um plano cuidadosamente articulado e coordenado, uma lição de estratégia política tão necessária para os dias que se vivem na cena portuguesa. Este é, sem dúvida, o trabalho mais íntimo e espontâneo alguma vez feito sobre JFK e RFK. Drew consegue captar a cumplicidade, a inteligência e a força destes irmãos, ao longo de todo o processo que os conduziu a uma assinalável vitória, em termos de direitos civis e igualdade racial.
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O Presidente encarregou Robert Kennedy do caso. No final, Wallace recuou quando a Casa Branca assumiu o controlo da Guarda Nacional do Alabama e mobilizou as tropas para garantir a matrícula dos estudantes. Em sinal de derrota, Wallace é deixado a espumar na sua irrelevância, mais um dinossauro cuja arrogância e a sobranceria conduziram à sua ruína.
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É difícil não nos impressionarmos com a enorme capacidade de articulação e negociação política de Robert, ou com o tom decidido de John ao fazer o célebre discurso de 11 de Junho de 1963, em que se dirige ao país para comentar o incidente no Alabama. Reiterando o seu compromisso inequívoco com os direitos civis, o Presidente, naquele seu tom determinado e emotivo, apela à liberdade de tratamento, à liberdade de oportunidades e à igualdade de direitos. Um discurso marcante que ainda hoje emociona.





Cinco meses depois de “Crisis”, Kennedy era assassinado em Dallas.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

“The Deeper They Bury Me, The Louder My Voice Becomes”

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Achei apropriado utilizar este título revolucionário para caracterizar o meu estado de espírito actual. Estamos em período pré-eleitoral, os ânimos estão agitados, a expectativa é grande, a incerteza, apesar de menor, continua a existir. Por tudo isto e mais. Porque sou um democrata e um apologista da liberdade e da igualdade de oportunidades, porque defendo a ética e luto pelos valores da justiça, do mérito e do progresso, jamais me calarei face à situação actual do nosso país.

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Descobri este título enquanto vagueava pelo site do New Museum, em New York. Em Junho passado, tive oportunidade de visitar este estonteante museu, no coração de Manhattan. Passeei-me pelos vários andares, deliciei-me com as instalações contestatárias, com as esculturas de arte contemporânea, com os murais desconfortáveis, quase chocantes.
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Este museu da modernidade, em pleno Lower East Side foi desenhado por Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa. Depois de dois anos de trabalhos, o New Museum reabriu no dia 1 de Dezembro de 2007. Este acontecimento, para além da óbvia importância no meio artístico, revestiu-se de um significado muito particular. A famosa zona da Bowery na baixa de Manhattan passou a conhecer uma nova vida, uma vez que foi a primeira vez que um acontecimento cultural desta envergadura teve lugar abaixo da Rua 14.
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O edifício que de fora parece bastante amplo, talvez pelo equilíbrio em altura da sua construção, feita em cubos sobrepostos, deslocados e forrados homogeneamente por uma malha metálica é, no interior dos andares onde se situam as galerias sem divisões, muito menos impressionante, mas harmonioso no seu despojamento e nos materiais sólidos e sóbrios. O último andar – uma enorme sala de festas com uma varanda em volta – e uma vista fabulosa que vai da zona baixa da Bowery e do Soho até aos edifícios altos do City Hall.

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“The Deeper They Bury Me, The Louder My Voice Becomes” é o título de uma exposição actual de um artista de origem portuguesa. Ricardo Gouveia, mais conhecido como Rigo 23 nasceu na ilha da Madeira em 1966 e ai viveu durante alguns anos até se instalar em San Francisco, na Califórnia. Estudou no “San Francisco Art Institute” e na “Stanford University” e é, actualmente, um dos mais conceituados artistas contestatários e planfletários do mundo.

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Rigo 23 tem exposto os seus trabalhos, nos últimos vinte anos, um pouco por todo o mundo. Murais, pinturas, esculturas, azulejos e placards de grandes dimensões, sempre estrategicamente posicionados de forma a permitir a discussão e a reflexão, numa sociedade virada para dentro e mais habituada a aceitar do que a contestar. As suas obras vivem enquanto objectos artísticos, mas funcionam sobretudo como intervenções públicas e manifestações contestatárias. A exposição actual é, mais uma vez, um questionar do status quo, um repto para uma mudança de políticas, para uma alteração de posturas.

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"The Deeper They Bury Me, The Louder My Voice Becomes” são as palavras de Herman Wallace, membro do grupo denominado Angola 3. Wallace, junto com Albert Woodfox, escreveram o primeiro capítulo do “Black Panther Party”, em 1971, na “Louisiana State Penitentiary” também conhecida como Angola. Robert H. King juntou-se-lhes depois de ser acusado, injustamente, de ter cometido um crime, no ano de 1972. Os três passaram a ser conhecidos como “The Angola 3”. Iniciaram então uma luta sem tréguas para uma reforma do sistema prisional. Organizaram greves de fome para garantir que as refeições eram servidas condignamente e não atiradas para o chão, lutaram pela protecção dos presos mais jovens, selvaticamente agredidos e abusados e mais do que tudo lutaram pela igualdade de direitos para todos os presos.

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Depois de 32 anos de prisão, 29 dos quais passados nas chamadas CCR (Closed Cell Restriction) durante 23 horas por dia. King foi absolvido e libertado em 2001. Rigo 23 estabeleceu uma relação de amizade com King, depois da sua libertação, e pintou em sua memória um mural no “San Francisco’s Civic Center” para comemorar a sua triunfante libertação. Wallace e Woodfox continuam encarcerados e em isolamento. King prossegue o incansável esforço pela sua libertação, através da partilha das suas experiências em universidades, escolas, museus e centros comunitários, um pouco por todo o mundo.
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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Eastwood em Gran Torino

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Este passado fim-de-semana tive oportunidade de assistir ao último filme de Clint Eastwood – Gran Torino. Eastwood não se cansa de nos brindar com filmes extraordinários e interpretações magistrais. Desta vez a temática é o racismo, a forma como lidamos com ele, e a crise de valores que afecta uma América suburbana em profunda transformação.

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Eastwood é Walt Kowalski, um ex-combatente da Guerra da Coreia e operário do ramo automóvel aposentado que passa os seus dias no alpendre de casa observando a vida que se aproxima do fim e a agitação do bairro. Toma cerveja, acaricia o seu cão e critica os seus vizinhos Hmong. Uma casa grande com um pátio modesto e uma grande garagem. É lá que se encontra a sua relíquia mais preciosa. O Ford Gran Torino, modelo 72, adquirido nos velhos e bons tempos da Ford, empresa onde trabalhou boa parte da sua vida. A cave da casa é, após a morte da mulher, o último reduto da nostalgia. Caixas velhas, álbuns de fotos e outras recordações espalhadas pelo chão.

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Os Hmong são um grupo étnico da região do sudeste Asiático que lutou ao lado dos americanos na Guerra da Coreia. A grande maioria veio para os Estados Unidos depois da invasão comunista do Laos, em 1975, provenientes de campos de refugiados na Tailândia. Ao primeiro grupo de 3466 refugiados foi concedido asilo, ao abrigo do “Refugee Assistance Act” de 1975. Nos anos seguintes, o número de refugiados aumentou e, em 1978, eram já trinta mil. A maioria destes grupos viria a fixar-se na Califórnia, Minnesota e Wisconsin.

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Clint Eastwood coloca-nos perante uma América suburbana que vê os seus valores em perigo. Um lugarejo com jovens sem respeito e sem noção dos valores, educados por adultos negligentes e passivos, de famílias fugazes e desunidas. O dilema de uma América profunda que se vê invadida por estrangeiros com culturas próprias e costumes particulares que vêm ocupar os reduzidos espaços, de puro americanismo que restam no país. Ao mesmo tempo, a Igreja debita o seu discurso tradicional e alienante, sem o mínimo conhecimento de causa.

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Na realidade, a visão amarga do protagonista serve apenas para expor um microcosmos social da sociedade americana, julgado pela óptica de uma pessoa que, se por um lado é preconceituosa e resistente às mudanças, por outro tem as suas razões intrínsecas.
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Na minha opinião, trata-se de um excelente filme sobre a solidão de um homem como escolha de vida, que se afasta de qualquer convívio convencional – ele não precisa de suportar uma família medíocre com quem não se identifica e que não o estima – para ficar só com os seus demónios, carregados desde a guerra em que participara, na juventude. Conservador clássico, é tocado pela injustiça que vê irromper ao seu lado, e é então que toda a grandeza do ser humano íntegro e decente se revela, magistral e tocante, na solução que encontra para si e para os outros.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

“New York Calling: From Blackout to Bloomberg”

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Várias vezes tenho falado aqui sobre Nova Iorque. É, aliás, inevitável falar sobre esta cidade carismática, acompanhar as suas transformações, seguir os seus caminhos, sorver a sua literatura, beber da sua música, vibrar com a sua cultura.


Desta vez, descobri um livro marcante sobre esta cidade. Na realidade, difícil será não encontrar vasta e abundante literatura sobre esta temática, mas a maioria, como é natural, leitura de cordel e folhetins para turista. “New York Calling: From Blackout to Bloomberg” é uma obra fascinante, editada, curiosamente, pelo filósofo marxista Marshall Berman e pelo poeta, jornalista e fotógrafo Brian Berger.
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Trata-se de uma colecção de 28 crónicas escritas por diferentes personalidades ligadas de algum modo à cidade e com mais de 200 fotografias que retratam, da forma menos institucional, esta metrópole inconfundível. Pessoas como a conhecida fotógrafa Margaret Morton, o jornalista político Tom Robbins ou o crítico gastronómico e cultural Robert Sietsema, escrevem sobre a cidade e dão-nos a conhecer o lado mais íntimo, a faceta mais soturna ou o espírito mais desconcertante desta metrópole.
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Através de uma viagem temporal, percorremos 30 anos e a leitura ajuda-nos a perceber a cidade como era, como foi e como é actualmente. Quem desejar conhecer a cidade por trás da cidade deve ler este livro. Segundo a apreciação do New York Times, estas crónicas abrem-nos para a dimensão do carácter, a extensão da mudança e o peso da personalidade desta cidade. "This is the backdrop for New York Calling . . . Through the lens of New York politics, music, art and counterculture, we hear several, often fascinating takes on essentially the same story: how the squalor, struggles, crime, drugs, and free expression of the 1970s and 1980s gave way to a cleaner and safer city in the subsequent two decades, but one in which commercial development has often trumped, protecting existing residents and preserving a rich past.

If not explicitly intended, the collection places a special emphasis on the Bronx, and the artistic movements spawned by the chaos of the 1970s. Particular attention is paid to graffiti art and the rise of hip-hop, which was ushered in by Grandmaster Flash's 1982 hit 'The Message'. Perhaps less revelatory - as writers often cover the subject today - are the numerous sections which pay homage to the bad-old East Village, where 'bodega' grocery stores sold dime bags of marijuana, and where - as one contributor remembers – 'no restaurants... stayed open past 6:00pm' . . . the essays, whether read discretely or as a complete work, offer a near-unforgettable impression of an era."

Deixo o descritivo na contracapa que antecipa o conteúdo fascinante: “Acclaimed historian Marshall Berman and journalist Brian Berger gather here a stellar group of writers and photographers who combine their energies to weave a rich tale of struggle, excitement, and wonder. John Strausbaugh explains how Uptown has taken over Downtown, as Tom Robbins examines the mayors and would-be mayors who have presided over the transformation. Margaret Morton chronicles the homeless, while Robert Atkins offers a personal view of the city’s gay culture and the devastating impact of aids. Anthony Haden-Guest and John Yau offer insiders’ views of the New York art world, while Brandon Stosuy and Allen Lowe recount their discoveries of the local rock and jazz scenes. Armond White and Leonard Greene approach African-American culture and civil rights from perspectives often marginalized in so-called polite conversation.
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Daily life in New York has its dramatic moments too. Luc Sante gives us glimpses of a city perpetually on the grift, Jean Thilmany and Philip Dray share secrets of Gotham’s ethnic enclaves, Richard Meltzer walks, Jim Knipfel rides the subways, and Robert Sietsema criss-crosses the city, indefatigably tasting everything from giant Nigerian tree snails to Fujianese turtles”

Curiosa é sobretudo a personagem de Marshall Berman. Comunista, intelectual, filósofo, professor de Ciência Política, controverso, insatisfeito. Um apreciador de Marx que se deixou encantar pela mística liberal e multicultural de New York.

Berman é professor da “City University of New York”, conhecida humoristicamente como a “Harvard dos pobres”, pela mistura de brilhantismo académico e origem humilde de muitos de seus alunos e professores, classificação na qual se enquadra bem. Alguém escreveu que “Harold Bloom é considerado um dos maiores críticos literários em actividade. A premissa básica de Blomm é de que o mundo pode ser explicado pela obra Shakespeareana. Pois bem, os marxistas também têm seu Harold Bloom. Trata-se de Marshall Berman. Assim como Blomm só vê sentido nas obras quando tomada a partir do prisma shakespereano, Berman só entende o mundo partir de Marx. Assim como o “Cânone Ocidental” é uma obra de louvor a Shakespeare, “Tudo o que é sólido se desmancha no ar” é uma obra de louvor a Marx. Não há Bloom sem Shakespeare. Não há Berman sem Marx”.
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Eu diria numa perspectiva mais terrena - não há pessoas perfeitas.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Início Pouco Promissor

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Dorothea Lange (1895-1965) é considerada a melhor fotógrafa americana de documentário, de sempre. Retratou magistralmente os efeitos sociais da Grande Depressão de 1929 sobre o americano rural, e as suas imagens constituem documentos históricos de valor incalculável que nos ajudam a compreender e a conhecer as verdadeiras consequências de um período de grandes carências.

O poder avassalador e a crueza das suas imagens retratam as dificuldades por que passaram milhares de americanos afectados pela crise económica e pela seca prolongada que dizimou as plantações verdejantes das planícies centrais, nos estados do Midwest. Lange acompanhou a enxurrada migratória das populações atingidas, em direcção à Califórnia e ao Arizona, sentiu as contrariedades e acompanhou as jornas de sol a sol.


A sua fotografia mais famosa, "Migrant Mother", que se encontra na Library of Congress, em Washington DC, foi tirada em 1936 a uma mulher do Oklahoma que trabalhava nos campos de ervilhas de Nipomo, na Califórnia. A mulher, uma viúva com sete filhos que sobrevivia alimentando-se de ervilhas apanhadas nos campos e de pássaros apanhados pelos seus filhos, cativa-nos e impressiona-nos pela sua face de sofrimento envolvida por três dos seus filhos, comove-nos pela dor, pelo alheamento e pelo olhar triste.
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Esta imagem tornou-se um símbolo daqueles que sofreram os efeitos devastadores da Depressão. Foi publicada no San Francisco News e permitiu que fosse dada uma ajuda ao campo de agricultores onde a mulher vivia. Segundo as palavras da própria Dorothea Lange publicadas na Popular Photography: “I did not ask her name or her history. She told me her age, that she was thirty-two. She said that they had been living on frozen vegetables from the surrounding fields, and birds that the children killed. She had just sold the tires from her car to buy food. There she sat in that lean-to tent with her children huddled around her, and seemed to know that my pictures might help her, and so she helped me. There was a sort of equality about it”.


John Steinbeck na escrita, à semelhança de Dorothea Lange na fotografia, retrata-nos também no seu romance, “As Vinhas da Ira” (Nobel da Literatura em 1962), como só ele sabe, a história de uma família de agricultores sem terra que migram do Midwest para a Califórnia, atravessando uma área paupérrima e semi-árida conhecida como Dust Bowl. Pelo caminho, encontram os escombros do sonho americano, a exploração e a violência dos grandes proprietários rurais e as condições aviltantes de acampamentos de trabalhadores temporários.
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Este brilhante clássico narra os aspectos gerais do problema, analisa a miséria humana, tanto de abastados proprietários de terras como dos emigrantes e conta-nos a saga da família Joad, em busca de uma vida melhor.
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As dificuldades hoje sentidas são diferentes, o grau e a dimensão da crise é inferior e os instrumentos de então eram incomparavelmente menos desenvolvidos do que os de hoje. Não existiam as actuais redes públicas de protecção social e a própria teoria económica tacteava em busca de instrumentos que pudessem lidar com uma crise daquela brutalidade.

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Obama enfrenta uma recessão menos pronunciada. Os pobres dispõem de redes de protecção criadas pelo New Deal ou pela onda reformista da década de 1960 que impedem a miséria e o desespero observados na Grande Depressão. O Partido Democrata está fortalecido pelas vitórias recentes e deixou de carregar o fardo de um sul conservador.
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Efectivamente, muito tem sido escrito sobre as semelhanças da crise actual com a Grande Depressão, muito tem sido dito e escrito sobre as semelhanças entre Barack Obama e Franklin Roosevelt (voltarei a este tema num próximo texto). A agenda do actual Presidente, eleito com uma áurea mística e promissora, na minha opinião demasiadamente alimentada pela sua equipa directa, não constitui tarefa fácil como se tem vindo a tornar cada vez mais evidente. Implementar a reforma no sistema de saúde, estimular o crescimento económico, resolver a crise financeira e encontrar soluções (já não digo vitórias) para as guerras no Afeganistão e no Iraque.
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Obama não tem conseguido avançar na sua agenda, ao contrário das elevadas expectativas para os seus primeiros 100 dias de governo e ao contrário das semelhanças, que há força se quiseram encontrar com a onda de empreendorismo do início do mandato de Roosevelt. A popularidade do novo presidente cai significativamente e em algumas sondagens está mesmo na faixa dos 40%.
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Obama não é Roosevelt, nem a crise actual pode ser resolvida da mesma forma como foi debelada a Grande Depressão de 1929. Ainda é cedo para afirmar o que acontecerá, mas o início não tem sido promissor.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

"O Símbolo Perdido"

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A Random House lança hoje nos Estados Unidos o 5º livro de Dan Brown. Uma primeira edição com uma tiragem impressionante de 6,5 milhões de exemplares, em língua inglesa.
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Desta vez Dan Brown circula pelos meandros de uma Washington DC maçónica e institucional. Robert Langdon é acompanhado agora pela pesquisadora Katherine Solomon, estudiosa das conexões entre o corpo e a mente, e o enredo decorre num período de 12 horas. Os segredos da maçonaria escondidos e codificados na arquitectura, o misticismo, as sociedades secretas e os locais recônditos.
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Segundo as críticas deste fim-de-semana no New York Times, apesar das semelhanças com as sagas anteriores, "O Símbolo Perdido" conquista o leitor do começo ao fim. "No universo hermético do livro, a motivação dos personagens não precisa fazer sentido, apenas tem que gerar acção, o que torna impossível largar a leitura".
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Dan Brown constitui um fenómeno literário, não tanto pela qualidade ou pela perfeição da sua escrita, mas sobretudo, pelo sucesso dos seus livros. Alcança a proeza de conseguir que milhões de pessoas o leiam, um pouco por todo o mundo. Efectivamente, conforme escreveu o jornalista brasileiro Paulo Nogueira: “Não sei quanto tempo de vida tenho (espero que muito, ou o suficiente.). O que sei é que tenho que escolher com cuidado meus livros. Bestsellers como o de Dan Brown não cabem na minha agenda de leituras. Considero um desperdício. Não que eu seja um intelectual. Não, definitivamente não sou. Um simples jornalista. Apenas o tempo é pouco e os livros são muitos. Uma página que vou ler de Dan Brown é uma que deixarei de ler de Séneca: Ou Montaigne. Ou Henry Miller. Ou Graham Greene. Não. Mas. Mas o facto é que 81 milhões de cópias de “O Código Da Vinci” foram vendidas no mundo desde que o livro foi lançado, em 2003.”


Segundo Janet Maslin, do New York Times: “Mr. Brown was writing sensational visual scenarios long before his books became movie material. This time he again enlivens his story with amazing imagery. Some particularly hot spots: the unusually suspense-generating setup for Katherine’s laboratory; the innards of the Library of Congress; the huge tank of the architeuthis; and two highly familiar tourist stops, both rendered newly breathtaking by Mr. Brown’s clever shifting of perspective. Thanks to him, picture postcards of the capital’s most famous monuments will never be the same.”
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Apesar de tudo, os livros de Brown não nos param de surpreender e, sobretudo, de cativar. Depois de Paris e de Roma, a escolha de Washington DC constitui, na minha opinião, mais um motivo de curiosidade e de atracção. A capital dos Estados Unidos é uma cidade fascinante e misteriosa, a arquitectura institucional, os edifícios que albergam organizações desconhecidas, os museus austeros, as bibliotecas labirínticas e os espaços verdes que geometricamente enquadram toda a envolvente, constituem motivos mais do que suficientes para que esta venha a ser mais uma história fascinante.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

“Remastering The Beatles”

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Esta passada quarta-feira, 9 de Setembro de 2009, ficará para a história como o chamado “dia dos Beatles”. Foi lançado o jogo para consola "The Beatles: Rock Band" e, em simultâneo, toda a discografia da banda de Liverpool foi “remastered”. A EMI lançou no mercado toda a discografia “remastered” da banda de Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Star.

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Serão assim três as hipóteses de recuperar os êxitos dos Beatles; uma caixa com todos os álbuns, outra caixa que inclui ainda as gravações em “mono” realizadas na década de 60 e, como terceira hipótese, a compra dos álbuns de forma avulsa.

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Este trabalho exaustivo demorou quatro anos e foi realizado pela Abbey Road e pelo engenheiro de som Allan Rouse. Segundo um artigo no The Globe and Mail, ficamos a saber que: “Remastering the catalogue was both a simple and painstaking process. Working chronologically from first Beatles recording to last, Rouse and his team members took the original ¼-inch stereo master tapes, transferred them into the digital recording software ProTools (at 24-bit, 192-kHz), listened to each song five or six times on headphones and different sets of speakers in a variety of rooms, and then subtly addressed any noises they considered extraneous by altering equalizer levels.”
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A expectativa deste lançamento era grande, todos esperavam que a EMI aproveitasse a ocorrência simultânea do lançamento do videojogo musical, do novo catálogo “remastered”, do evento da Apple dedicado à música, para dar início à comercialização de downloads legais da banda de Liverpool na loja do iTunes, mas infelizmente, tal expectativa saiu mais uma vez gorada.

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De qualquer forma, a discografia inteira dos Beatles já se encontra desde há anos disponível em qualquer site ou rede de partilha de ficheiros. Se dúvidas restassem de que o lançamento em versão digital da obra da banda teria um impacto significativo, basta lembrar que, quase uma semana antes do lançamento da caixa com o catálogo “remastered” em mono (11 álbuns e singles) e stereo (13 álbuns e singles), já se podia encontrar e descarregar a custo zero através de sites de torrents, serviços de alojamento de ficheiros e blogs de música.

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Os Beatles são a banda mais marcante na história da música. Constituem um fenómeno de sucesso incomparável ainda hoje, passados mais de 50 anos desde a sua origem, e a sua capacidade para influenciar e transformar o mundo da música não tem precedentes entre outros artistas. Os Beatles marcaram uma geração e trouxeram para a música uma nova forma de actuar, uma nova atitude perante as audiências. Mais do que isso, a sua forma de vestir, os seus cortes de cabelo e a sua crescente consciência social exerceram forte influência sobre a juventude da época e contribuíram para um fenómeno de culto e adoração classificado de “beatlemania".

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Foram a primeira banda a fazer vídeos musicais das suas canções e o álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band foi o primeiro no mundo a conter um encarte com fotos e letras das suas canções. Em 2003, a revista americana Rolling Stone classificou-o como o melhor álbum de todos os tempos e, em 2004, incluiu os Beatles em primeiro lugar na Lista dos Cem Maiores Artistas de Todos os Tempos. De acordo com a mesma revista, a música inovadora e o impacto cultural dos Beatles ajudaram a definir a década de 1960 e a sua influência cultural e pop ainda continua viva e intensa nos dias de hoje.
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Pela inventividade e originalidade das suas canções, John Lennon e Paul McCartney formaram a mais celebrada e famosa dupla musical de sempre.

“Prayer and Remembrance”

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Passaram já oito anos desde o fatídico 11 de Setembro de 2001. Hoje, o mundo e em especial o povo americano recordam os trágicos acontecimentos de Nova York e Washington.

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Trata-se do primeiro aniversário sob a égide do Presidente Obama e à luz da sua política, da sua forma de gerir, da sua maneira de estar e de se relacionar com o mundo e em especial com os americanos. Neste sentido, o Presidente designou o período entre 4 e 6 de Setembro “National Days of Prayer and Remembrance” e pediu aos americanos para que se envolvam em projectos comunitários e acções de voluntariado. O programa envolve, entre outras actividades, cozinhar refeições para os pobres, plantar e arranjar jardins, ajudar em reparações de casas degradadas ou preparar pacotes de material escolar para crianças desfavorecidas.

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Obama inaugura assim, mais uma vez, uma nova postura e uma nova abordagem perante tão fatais acontecimentos. É notória uma actuação mais diplomática e consensual, mais agregadora do que fracturante, mais pedagógica do que emotiva, mais ponderada do que reactiva.
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O “Smart Power” de Hillary e Obama tem, mais do que tudo, representado uma mudança radical de imagem e de postura dos Estados Unidos perante o mundo e os resultados em termos de reconhecimento e aceitação da “american way of life” constituem hoje uma realidade mais viva e efectiva. Espero que o mundo muçulmano saiba aproveitar esta oportunidade de abertura e de aproximação e que o terrorismo não volte tão cedo sob o risco desta administração se desmoronar em termos de aceitação pública e de credibilidade, sendo obrigada a mudar radicalmente de política e de atitude. Seria péssimo para a América e trágico para o mundo.

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Não quero deixar passar mais este aniversário sem prestar a minha homenagem às vítimas deste atentado, mas também à capacidade regeneradora e empreendedora deste povo e desta gente que teve a habilidade e a inteligência de ultrapassar sem esquecer, de reconstruir sem transformar, de levantar a cabeça com dor e sofrimento.
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Deixo o comunicado do Presidente sobre estes dias de recordação:
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“They were daughters and sons, sisters and brothers, mothers and fathers, spouses and partners, family and friends, colleagues and strangers. They hailed from cities and towns across our Nation and world. On September 11, 2001, thousands of innocent women and men were taken from us, and their loss leaves an emptiness in our hearts.

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Hundreds perished as planes struck the skyline of New York City, the structure of the Pentagon, and the grass of Pennsylvania. In the immediate aftermath of these tragedies, many victims died as they sought safety. Selflessly placing themselves in danger, first responders, members of the Armed Forces, and private citizens made the ultimate sacrifice working to assist others. During the National Days of Prayer and Remembrance, Americans across the country cherish the memory of all those who passed and honour and pray for their families and friends.
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Americans also remember and pray for the safety and success of the members of the United States Armed Forces, who work every day to keep our Nation safe from terrorism and other threats to our security. Military members assisted those in need on September 11, 2001, and serve now in Iraq, Afghanistan, and around the world. They have left the safety of home so that our Nation might be more secure. They have endured great sacrifice so that we might enjoy the blessings of liberty.
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Our service members represent the best of America, and they deserve our deepest respect and gratitude.
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The threat of terrorism has denied too many men, women, and children their right to live in peace and security. As the United States works to defeat terrorists and build a more hopeful future for our children and young people across the world, we seek humility and strength. We reflect upon the lessons drawn from our national tragedy, seek God's guidance and wisdom, and, never forgetting the lost, commit to working in common cause with our friends and allies to create a safer and brighter world for current and future generations.
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NOW, THEREFORE, I, BARACK OBAMA, President of the United States of America, by virtue of the authority vested in me by the Constitution and laws of the United States, do hereby proclaim Friday, September 4, through Sunday, September 6, as National Days of Prayer and Remembrance. I ask that the people of the United States, each in their own way, honour the victims of September 11, 2001, and their families through prayer, memorial services, the ringing of bells, and evening candlelight remembrance vigils. I invite the people of the world to share in this solemn commemoration.”