domingo, 1 de fevereiro de 2009

Diplomacia Inteligente

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(Deixo o meu artigo publicado este fim de semana no Semanário Sol)

Apesar dos oito graus negativos do passado dia 20, milhares de pessoas assistiram à cerimónia da tomada de posse do novo Presidente Americano. Os relvados amarelecidos do Mall, a Pennsylvania Avenue e Lafayette Square transbordavam de vida, de entusiasmo e, acima de tudo, de esperança e de expectativa em relação ao futuro.

Nunca na história do mundo se esperou tanto de um só homem e da sua capacidade para governar e conduzir uma nação. Obama tem uma responsabilidade gigantesca perante os americanos e, curiosamente, perante o mundo que o admira, que o observa e que o copia.

Acabámos de entrar num novo começo (“a new begining”); a partir daqui os americanos vão inaugurar uma nova forma de fazer diplomacia, uma nova forma de gerir a imagem, uma nova atitude perante o mundo e uma nova forma de lidar com os seus aliados. Hillary Clinton denominou esta nova postura como “smart power” por oposição ao “hard power” de George W. Bush. Esta não é uma classificação nova, foi referida pela primeira vez por Suzanne Nossel na revista Foreign Affairs em 2004 e é também defendida por variados pensadores políticos, como Joseph S. Nye, Jr., Professor de Relações Internacionais na Universidade de Harvard. Os livros, filmes, canções, ideais, diplomacia e autoridade moral por oposição às armas, bombas, tanques, e sangue.

Hillary, na sua audição perante o Comité de Relações Internacionais do Senado, referia justamente a necessidade de utilizar todas as ferramentas ao seu alcance; diplomáticas, económicas, militares, politicas, legais e culturais para, em combinação ou isoladamente, as adaptar da forma mais adequada a cada situação. Referia, em súmula, que “with smart power, diplomacy will be the vanguard of our foreign policy”.

A Secretária de Estado teve a humildade de reconhecer aquilo que é uma evidência para o mundo e que se acentuou de forma significativa com o autismo e a obsessão ideológica da anterior administração. A América não pode ter a pretensão de resolver os problemas do mundo sozinha, nem de querer impor ao mundo a sua vontade e a sua maneira de estar, mas o mundo também não pode querer resolver as suas dificuldades sem a participação dos Estados Unidos.

Constitui uma evidência que os Estados Unidos foram bem sucedidos sempre que lideraram coligações com desígnios comuns e consensuais. Um trabalho bem feito nesta matéria permitiu aos Americanos consolidarem o seu prestígio como um referência para a segurança mundial e, acima de tudo, garantia da democracia e da liberdade. Este património foi delapidado pela administração cessante. As circunstâncias, é certo, foram muito particulares. O 11 de Setembro abriu uma ferida com consequências tremendas para o povo americano que justificou muito dos esforços iniciais mas que a partir de determinada altura serviu para alimentar uma vendeta idiológica incontrolável.

A actual crise mundial constitui um exemplo desta evidência. Todos os países, sem excepção aguardaram e aguardam com expectativa e esperança as decisões da nova administração. Obama tem aqui uma oportunidade magistral de definir as regras, estabelecer os objectivos e assumir uma visão para o futuro que será certamente seguida por todos. A União Europeia constitui aliás, o exemplo vivo desta realidade, com os principais protagonistas a aguardarem que os Estados Unidos definam o rumo a seguir.

A aposta numa diplomacia inteligente, mais do que uma politica alternativa ou uma estratégia inovadora, constitui uma necessidade e uma obrigação para esta Administração. A crise financeira e a situação extrema a que chegou a economia americana obrigam a reduções significativas de gastos, em termos da defesa, e a uma optimização profunda das forças, em cenário de guerra.

Em 2007 apenas, os gastos do Departamento da Defesa chegaram a $500 biliões de dólares, excluindo os gastos com a guerra no Irão e no Afeganistão. A manutenção numa base permanente de um exército de 1,5 milhões de homens e o crescimento continuado da indústria da defesa contribuem para que estes números representem cerca de 40% a 50% dos gastos militares do mundo.

É fundamental rever esta situação sem colocar em perigo a segurança nacional, a luta contra o terrorismo ou os valores que suportam a democracia americana. Vai ser necessário rever o modelo de relacionamento com aliados e adversários, repensar o papel da Nato e reequacionar o equilíbrio de forças e o processo de decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidos.

Alterações a este nível implicam impactos profundos e riscos acrescidos. É necessário considerar o impacto financeiro sobre a indústria do armamento, a redução do emprego militar, a necessidade de partilhar informação classificada, a necessidade de aumentar o investimento em investigação militar de ponta e, possivelmente a maior das dificuldades, a necessidade de confiar em amigos e aliados. Mas os resultados esperados podem ser grandiosos; reduções significativas do orçamento de defesa, melhoria das relações com aliados, melhor aceitação internacional em caso de acções militares no estrangeiro, melhor conhecimento e solidariedade da opinião pública mundial e maior coordenação e eficiência no campo de batalha.

Vivemos hoje num ambiente global. A globalização aproxima-nos cada vez mais e, por essa razão, este constitui o momento ideal para utilizar a diplomacia em vez da força, a inteligência em vez da teimosia, o tacticismo em vez do unilateralismo.

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