quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os Melhores Filmes da Década

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Fui uma vez mais surpreendido pela New Yorker. Desta vez foi Richard Brody, um crítico de cinema que escreve regularmente na revista e autor do livro “Everything Is Cinema: The Working Life of Jean-Luc Godard”.:
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Brody fala-nos da sua lista de melhores filmes da década que são, segundo ele, “the twenty-six best movies I’ve seen”. Trata-se de uma lista polémica com obras discutíveis, a maioria das quais não muito conhecidas e muito pouco comerciais. Uma viagem pelo mundo com realizadores e obras de vários países e sobre os mais variados temas. Brody é um erudito da sétima arte, um especialista em cinema “hermético” e um apreciador de escolhas arrojadas. Do francês Jean-Luc Godard ao chinês Wang Bing, Eastwood e Ingmar Bergman temos uma montra de especialistas e de metódicos, onde curiosamente o cinema americano não tem muito significado.
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Mas o mais surpreendente na sua lista é a inclusão de dois filmes portugueses. O primeiro, classificado em quarto lugar, no grupo dos dez melhores é “Um Filme Falado” de Manuel de Oliveira, realizado em 2003. O segundo, integra a lista dos dezasseis outros filmes, sem ordem de preferência, é “Juventude em Marcha” de Pedro Costa, realizado em 2006.
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É curioso que estes dois filmes integrem esta lista erudita de Brody quando em Portugal passam completamente despercebidos. É um facto que existe um certo preconceito relativamente a obras e realizadores portugueses, por diversas razões, umas mais fundamentadas e realistas do que outras. Eu próprio me penitencio por preferir, sistematicamente, filmes americanos e trabalhos mais comerciais. Deixo-me seduzir pelo marketing e por certas temáticas mais actuais, porventura. De qualquer forma devemos reconhecer mérito a muitas obras comerciais, quer pela qualidade de representação, quer pela hábil politica de divulgação adoptada. Gran Torino, obra de Eastwood, é disso um bom exemplo, já aqui referido num post anterior, integra também a lista de Brody.
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Confesso que sinto um certo estigma relativamente à obra de Manuel de Oliveira, facto que não acompanha a enorme admiração que nutro pela personagem. Admiro a sua vontade de viver, a sua imensa capacidade de produzir, o seu amor ao cinema. Oliveira, como acontece com muitos outros portugueses, é mais reconhecido e melhor tratado no estrangeiro. Fora de portas apreciam-nos com maior isenção e sem cobiça ou inveja.
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Estimulado pela classificação da New Yorker e tomado pela curiosidade assisti a “Um Filme Falado” de Manuel de Oliveira. É sem dúvida uma obra muito rica e interessante. Um documento histórico que relata uma viagem pela civilização. Funciona um pouco como uma aula de história e um "banho" de cultura.
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Rosa Maria, a personagem principal, é professora de história e toda a vida ensinou os clássicos, o nascimento e a evolução das civilizações. Agora, na sua viagem pela civilização Mediterrânea, para se encontrar com o marido em Bombaim, vai poder visitar os locais com que sempre tinha sonhado. Na companhia da filha que simboliza a evolução e a vontade de aprender, visita Ceuta, Marselha, as ruínas de Pompeia, Atenas, as pirâmides do Egipto e Istambul, evocando assim tudo o que de decisivo marcou a nossa cultura ocidental.
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Apesar do ritmo habitual de Manuel de Oliveira estar bastante presente, a evolução temporal e sobretudo a mudança de geografias atenuam este facto, tornando o filme numa espécie de documentário histórico. Actores de primeira linha como John Malkovich e Catherine Deneuve contribuem igualmente para dar aquele toque de qualidade que um realizador português tem sempre dificuldade em alcançar de per si.
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Registo o diálogo entre mãe e filha sobretudo no que à componente histórica diz respeito. "As referências às guerras sucessivas, religiosas e económicas que acabaram por fundar o substrato cultural, não homogéneo, do continente europeu, em que elementos da cultura greco-romana, árabe e de várias religiões se misturam".
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Um documento de cultura bastante bem conseguido, que enriquece o nosso património de conhecimento.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Uma Questão de Mérito

(Deixo o meu artigo publicado hoje no Semanário Sol)
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O nosso país está cada vez mais embrenhado numa lama caciquista e oportunista. A dificuldade em valorizar o mérito e em recompensar a qualidade é uma postura que nos caracteriza. Ainda não fomos educados para saber lidar com avaliações, com classificações, com rankings ou diferenciações. O desconforto da concorrência, o medo de sombra, o receio de perda de controlo, a teia de interesses e de protecções, a aversão à mudança e o receio da novidade são traços dominantes e, curiosamente, tão mais relevantes quanto maior é a tentacularidade do Estado.
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Os últimos anos têm sido preocupantes em termos de aumento do peso do Estado na economia e na sociedade e, em Portugal, esta situação atinge proporções aflitivas. Fruto da abordagem “Keynesiana” da crise actual, ou a pretexto desta, o poder tentacular do Estado tem aumentado a olhos vistos. Neste momento, temos cerca de 700 mil funcionários públicos e cerca de 100 mil funcionários no sector empresarial do Estado ou em empresas indirectamente ligadas ao Estado ou controladas por este, já para não falar na miríade de empresas que gravitam em torno dos dinheiros públicos.
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De qualquer forma, é a própria sociedade portuguesa que se encontra mergulhada num manto diáfano de clientelismo, de “amiguismo”, de conhecimentos políticos, de ligações corporativas e tem um verdadeiro pavor da valorização pelo mérito. A apologia do “tipo porreiro” que não levanta ondas, que não coloca entraves e que pertence ao grupo dos “amigos” constitui o perfil ideal para o sucesso. Capacidade de liderança, conhecimentos de gestão, experiência internacional, ousadia, coragem e determinação, clarividência e inteligência não são apreciados.
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É evidente que temos um problema sério com o mérito. Acredito que uma das razões para o sucesso dos Estados Unidos em termos sociais e económicos, uma das razões para que seja um país de oportunidades, uma sociedade de sucesso, o verdadeiro “American Dream”, tem a ver com a compensação do mérito. É gratificante ser bom e é natural esperar uma recompensa por isso.
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O Estado Americano é o maior empregador com cerca de 2 milhões de civis e um orçamento anual de vários triliões. Esta imensa e complexa organização é gerida por 1455 nomeados políticos assumidos (political appointees) que vão e vêm com as diferentes administrações e cerca de 7000 executivos de carreira (SES), nomeados através de um processo isento e imparcial.
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Os executivos de topo da administração pública têm o seu estatuto enquadrado no Senior Executive Service, criado pela administração Carter através do Reform Act de 1978. Carter estava preocupado com os funcionários públicos, com o seu estatuto, a sua reputação, a excessiva influência política, o nepotismo, a falta de capacidade de rejuvenescimento e o baixo grau de atractividade para trazer gente nova e competente para as suas hostes.
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Esta classe de executivos de elite partilha valores e perspectivas e é caracterizada pela capacidade de liderança e pelos sólidos conhecimentos técnicos, devidamente reconhecidos pelo mercado e funciona à luz de um ambicioso e desafiante sistema de gestão por objectivos. Os SES são incentivados a circular transversalmente pelos diferentes organismos do estado e são responsáveis pela sua actuação e pelos resultados da organização a que pertencem. Estão, além disto, integrados num sistema de carreira e de compensação suficientemente desafiante para concorrer com os melhores.
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O também chamado “Merit-Based Executive Service” assenta num conjunto de pressupostos; excelência de actuação ao nível do funcionalismo público; ligação entre a actuação da gestão e a obtenção de resultados; estabelecimento e comunicação de objectivos e expectativas individuais e organizacionais; medição sistemática de resultados utilizando métricas que equilibram resultados organizacionais com satisfação de clientes e desempenho de funcionários; utilização de resultados como base para a atribuição de compensações, prémios, progressão e retenção de talento.
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Todos os anos, o Presidente atribui aos Senior Executives o chamado Presidential Rank Award. O propósito é o de premiar o mérito e os resultados obtidos, recompensar aqueles que de forma consistente revelam capacidade, integridade e compromisso com a excelência. Os que são distinguidos com tão elevado galardão, para além da honra presidencial, recebem uma compensação monetária que pode variar entre os 20% e os 35% do seu salário base anual. Importa referir que os SES usufruem de um escalão salarial com uma banda de variação entre os 117 mil dólares e os 177 mil dólares anuais, o que revela bem a importância dada a esta elite da administração pública.
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Este é mais um exemplo de sucesso que nos deve fazer pensar. Por tudo isto, precisamos de fazer melhor, por tudo isto, precisamos de mudar, de quebrar o ciclo da mediocridade, da acomodação, da corrupção e da aversão à mudança. Devemos promover o conhecimento, premiar o mérito, incentivar a competição, praticar a isenção, separar a política da competência, ou continuaremos neste ciclo de decadência e de inconsequência até ao limite da irrelevância total.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O Kindle Português!

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É sempre um prazer enorme falar de livros e, de quando em vez, volto a este tema porque me seduz particularmente e porque os livros fazem parte integrante da minha vida. Um livro é um mundo por descobrir, uma fonte inesgotável de saber e de conhecimento, uma companhia de cumplicidades.
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Nada é comparável à presença física dos livros, a não ser talvez as obras de arte, eles aquecem o ambiente e trazem luz aos espaços; as capas de cores variadas escondem segredos bem guardados, a diferença de tamanhos antecipa histórias encantadas; o cheiro a cedro trabalhado pelo saber encadernado contagia qualquer ambiente.:
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Muito tem o mundo evoluído nos últimos anos, muitas têm sido as transformações e as mudanças em termos de gestão da informação, controlo e armazenamento de dados, acesso e partilha de conhecimento. E até os livros têm vindo a estar em risco, substituídos primeiro por computadores, depois pela internet e agora pelos “ebooks”.:
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A este propósito, volto ao fantástico efeito Kindle, de que já aqui falei. Sem dúvida uma das mais notáveis invenções dos últimos anos; a informação e o conhecimento portátil, dezenas de milhares de livros no bolso de um casaco. O Kindle, mais do que substituir os livros, vem divulgar a leitura e angariar novos leitores. Mais pessoas em mais locais poderão ter acesso a um livro, à distância de um “click”. Felizmente o Kindle já chegou a Portugal, e, mais do que isso, a língua portuguesa já chegou ao Kindle.
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O romancista brasileiro Rubem Fonseca será o primeiro autor de língua portuguesa a ter um livro lançado em versões para Kindle e iPod, além do formato tradicional em papel. "O Seminarista", da editora Agir, chegou às livrarias em Novembro passado.
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Segundo a biografia que se encontra no seu “site”, na internet: “Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora (MG), em 1925. Formado em Direito, exerceu várias profissões antes de se dedicar inteiramente às actividades literárias. Acredita, como Joseph Brodsky, que a verdadeira biografia de um escritor está nos seus livros. Mora no Rio de Janeiro desde os 8 anos de idade”. Mas mais do que isso: “Rubem Fonseca é provavelmente o escritor vivo mais estudado fora do Brasil. Tomando-se a literatura brasileira de todos os tempos, talvez ele só perca para Clarice Lispector. Ele é hoje considerado um mestre da ficção policial à escala mundial, e os seus livros fazem parte do cânone da literatura latino-americana." Quem o afirma é o americano Thomas Waldemer, director do Departamento de Estudos Latinos da Universidade do Iowa.
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De acordo com um trabalho sobre o autor na revista “Bravo”: “A carreira internacional de José Rubem inclui prêmios de prestígio como o Juan Rulfo e o Camões, ambos em 2003. Os prémios pelo mundo e a avaliação da academia americana (o escritor chegou a ser professor-visitante em Stanford, uma das mais prestigiodas universidades dos Estados Unidos) coroam um percurso ímpar na literatura brasileira”.
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Rubem Fonseca é curiosamente um apaixonado dos Estados Unidos, onde foi aliás beber muita da sua inspiração. Estudou em Boston e viveu em New York, no famoso “Chelsea Hotel”. “Segundo os seus amigos, José Rubem se apaixonou pelos Estados Unidos. Quando falavam mal do país de John Kennedy - algo que era moda no Brasil dos anos 50 e 60 -, José Rubem cortava na hora: "Deixa de ser ignorante" (Revista Bravo).
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Este seu último livro, “O Seminarista”, conta-nos a história de um matador de aluguer, conforme refere o Jornal do Brasil: “Ex-seminarista – daí o título – na verdade é conhecido no métier como o Especialista: mata sempre com um teco na cabeça. Vive citando brocardos, axiomas e sentenças latinas. No original. Dá-lhe Horácio, Cícero, Virgílio, Petrarca, Plínio o Velho, Santo Agostinho, Propércio e outros menos cotados. O personagem – cujo nome de batismo é José, mas gosta de ser chamado apenas de Zé, como Zé Rubem, que é como os amigos mais íntimos tratam o escritor – vai descobrir que não é assim tão fácil se aposentar. Também grande admirador de poesia – dá-lhe Pessoa, Drummond, Bandeira, Gullar, Dickinson, Blake, Frost, Ahkmatova – vale-se de Camões para explicar a decisão de não mais cometer assassinatos: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Para se convencer de vez, apela para Sêneca: “Alia tentanda est via” (“Deve-se procurar outro caminho”). O problema é que é muito difícil mudar de vida – ou de estilo. Tanto para o Especialista quanto para Rubem Fonseca”:
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Apesar de não ter lido o livro, parece-me uma boa escolha para o primeiro Kindle português.