quarta-feira, 4 de março de 2009

O Tsunami Americano

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Em 24 de Julho de 2002 escrevi um artigo no Diário Económico que hoje voltei a consultar e que resolvi partilhar. Naquela altura os sinais de uma crise económica e a própria situação em muitas economias eram preocupantes e apontavam para uma depressão sem precedentes. Tal facto não se veio a verificar no imediato e as economias, em particular a Americana, mantiveram-se anémicas mas em funcionamento.

A guerra do Iraque, a desvalorização do dólar, o crescimento exponencial da China e a consequente compra de divida americana, a continuada descida das taxas de juro e o incentivo ao crédito contribuíram para atenuar/adiar a crise que parecia iminente e que veio a explodir, em todo o seu esplendor, no ano de 2008, seis anos após o artigo que aqui vos deixo:

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::::::::::::::::::::::::::::::::O Tsunami Americano

Estamos hoje perante a primeira crise económica do século XXI, mais uma das consequências do 11 de Setembro de 2001 data mítica que ainda povoa o imaginário colectivo do mundo desenvolvido. É certo que a crise económica tinha sido desencadeada muito antes disto mas é indiscutível que este acontecimento veio despoletar um sentimento de pavor, de desconfiança e de fuga sem precedentes que acelerou, consideravelmente, o processo de deterioração económica.


As economias desenvolvidas viveram nos últimos anos um período de assinalável prosperidade e crescimento, as doutrinas de mercado e as ideologias liberais que fizeram escola nos Estados Unidos foram disseminadas de forma crescente por todas as economias de mercado. A criação de valor para o accionista, o adopção de critérios contabilístico - financeiros inovadores, a euforia das fusões e aquisições, a desregulamentação da maioria das industrias, a febre da internet, a fúria consumista das stock-options, o expoente máximo do mercado – o Nasdaq.
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Mas na realidade durante a 2ª metade da década de 90 o mundo viveu iludido por um sentimento de facilitismo, por uma prosperidade fictícia, por um crescimento sem sustentação. Criou-se para a economia Americana o mito do gigante com pés de barro, sustentado por uma teia de cumplicidades, mentiras e estatísticas maquilhadas, enquanto que na Europa os governos socialistas apanhavam a onda e dedicavam-se ao que melhor sabem fazer – esbanjar dinheiro. Portugal, França, Alemanha, Itália, viveram acima das suas capacidades e gastaram demais quando o recomendável seria contenção, reformas e liderança forte. Neste momento os castelos de areia e os oásis de prosperidade desapareceram e a realidade que se nos depara é de uma crueza demolidora.
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Espreita no horizonte, qual algoz furibundo, uma crise sem precedentes só talvez equiparável ao holocausto económico de 1929. Trata-se de uma crise que vem abalar os alicerces do liberalismo moderno, que emana do tecido empresarial e que é acompanhada por um sentimento de pavor social generalizado.
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Poderemos estar perante um importante retrocesso do modelo de economia de mercado assente no “laissez-faire” do capitalismo. Uma situação deste tipo poderá ter consequências decisivas sobre a forma como as economias encaram o investimento, sobre o papel dos governos e o seu grau de intervenção nas economias, sobre a maneira de fazer negócios dentro e fora de fronteiras, talvez estejamos a caminhar para uma economia mundial sem ímpeto, sem dinamismo e fechada sobre si própria.
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Os críticos indefectíveis do modelo corporativo americano rejubilam com a perspectiva de pela primeira vez terem a razão do seu lado. A descredibilização do sistema financeiro, o desmoronamento dos mercados, a crescente crise de liquidez, os níveis mínimos das taxas de juro e agora a tendência confirmada de desvalorização do dólar, vêm por em causa o modelo de desenvolvimento Americano.
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A queda do comunismo e o “boom” americano dos anos 90 foram decisivos para a criação da ideia de que o modelo de negócio americano constituía o padrão a aplicar a qualquer país. As crises financeiras na Ásia, América Latina e Rússia, a falência do estado providência Europeu, o desmoronamento do Japão, foram factores decisivos para a credibilização Americana consolidada pela influência, o rigor e a exigência de organizações como o FMI, o Banco Mundial e a própria Reserva Federal.
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Neste momento existe uma forte possibilidade de os Estados Unidos entrarem numa recessão da qual ainda não se haviam libertado totalmente. A desvalorização continuada do dólar, este ano já se desvalorizou cerca de 10%, pode significar uma grande mudança. O perigo da desvalorização pode amedrontar os consumidores Americanos, os motores da economia mundial dos últimos anos. Segundo George Soros “as tendências nos mercados cambiais tendem a manter-se vários anos e aparecem acompanhadas de grandes mudanças”. Neste momento os maiores aforradores mundiais observam com reticências a inacção da Administração Americana e começam a retirar os seus fundos dos E.U..
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A economia norte-americana não tem já grandes instrumentos para vencer uma destruição acentuada de liquidez. As taxas de juro de referência da Reserva Federal estão nos seus níveis mínimos e a última arma de choque expansionista está já em acção, a desvalorização do dólar. “O pesadelo dos pesadelos é ver os Estados Unidos apanhado na armadilha em que está o Japão há mais de uma década. Foi uma crise bolsista no início dos anos 90, contagiada aos bancos, que deixou o Japão numa deflação quase crónica.”
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Enquanto isso a Europa vive sobressaltada pelo fantasma do Pacto de Estabilidade, qual camisa de forças que neutraliza todo e qualquer esforço de revitalização económica. O equilíbrio orçamental, a transparência das contas, o cumprimento de critérios contabilísticos claros devem constituir práticas inerentes ao funcionamento de qualquer estado/governo em qualquer economia. Mas será um erro centrar os esforços de uma governação no equilíbrio das contas públicas enquanto a economia definha a olhos vistos, as empresas despedem e reduzem custos até ao limite do aceitável para a sua sobrevivência e as pessoas contam os tostões.
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A economia Americana vai, certamente, deixar de ser o motor da economia mundial, como acontecia até aqui, mas acredito que existe, apesar de tudo, uma janela de oportunidade para o aparecimento de um modelo de negócio Europeu, um misto de “capitalismo selvagem” e “estado empresário” onde a tónica deverá ser sempre, a de um estado mais regulador, mais informado, mais eficiente e mais credível.
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Estou certo de que o agravamento da situação económica mundial, com o prenúncio de uma nova recessão nos Estados Unidos, obrigará a União Europeia a rever, rapidamente, os critérios subjacentes ao Pacto de Estabilidade, tentando assim minimizar os efeitos do “Tsunami” Americano.

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