quarta-feira, 15 de abril de 2009

Encravada nos Rochedos

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É sempre uma tranquilidade regressar ao Alentejo. Aquela imensidão imensa, aquele olhar cansado. Talvez por ser ilhéu ou apesar desta circunstância nutro um enorme carinho pelo Alentejo. A planície inspira-me, a profundidade tranquiliza-me; as oliveiras, os sobreiros, o gado disperso, o casario ausente e aquele cheiro intenso a terra e feno.

São vários aqueles que se deixam inspirar por esta terra sem fim. O Alentejo é um estado espírito, uma predisposição e por isso são muitos aqueles que o escrevem e que o pintam. Deixo alguns poemas de Miguel Torga e Manuel Alegre sobre o Alentejo:

Miguel Torga, “Alentejo”, in Morena a terra-moreno o canto, Antologia de temática alentejana

(...)
Um corpo nu, em lume ou regelado,
Que tem o rosto da serenidade.


Miguel Torga, “Alentejo”, poema in Diário, X

No Alentejo, em fins de Julho ou princípios de Agosto, o olhar atinge o seu zénite. No horizonte raso e limpo, tudo parece pegado à terra: muros, árvores, medas de palha, montes, quando se avistam distantes. Um delírio de luz sobe à cabeça, como a música das cigarras, e faz doer. As coisas todas estalam como romãs maduras, e ficam cheias de brilhos. Mesmo dentro de casa, com portas e janelas trancadas, a luz entra pelas frestas, entorna-se pelas tijoleiras e reflete-se, tenuamente rosada, na brancura das paredes. (...) Cheira a barro e a cal, cheira a coentros e a queijo seco. Cheira ao que é da terra e regressa à terra. (...) Neste longo, ardente verão do sul, apenas as cigarras têm modulações amplas. À roda tudo é silêncio e secura. Os próprios homens quase não têm fala, mas os seus olhos queimam como duas pedras expostas ao sol durante milhares de dias. (...)

...

Manuel Alegre, “Alentejo”, in Alentejo e Ninguém

Rumor tão breve
música do ser
(...)
E de súbito um choupo
Talvez o canto.
Tão pouco
e tanto.

A este propósito, revisitar o Marvão é regressar às origens da nacionalidade, é viajar pelo tempo, conviver com batalhas, escalar muralhas, construir castelos, é sentir um povo que definha, umas raízes que desvanecem, uma história que se esfuma no nevoeiro.

Mas o Marvão é também um pouco do que melhor nos caracteriza; a resistência, a criatividade, a capacidade de empreender, a força e a audácia na luta contra as adversidades. Encravada nos rochedos, a Vila do Marvão resiste às intempéries da idade, à voracidade da mudança.

A Vila do Marvão localiza-se no Distrito de Portalegre, região Alentejo e sub-região do Alto Alentejo, com cerca de 645 habitantes. Situa-se no topo da Serra do Sapoio, a uma altitude de 860 metros. É sede de um município com 154,85 km² de área e 4.029 habitantes (2001), subdividido em 4 freguesias. O município é limitado a norte e leste pela Espanha, a sul e oeste pelo município de Portalegre e a noroeste por Castelo de Vide.

“Marvão deve o seu nome a Ibn Marwan al-Yil'liqui «O Galego» (morto c. 889), líder de um movimento sufista no Al-Andaluz, que pegou em armas contra os emires de Córdova e criou uma espécie de reino independente sediado em Badajoz até à instauração do califado de Córdova em 931”.

Segundo reza a história muitas foram as batalhas aqui travadas e muitos foram os acontecimentos que aqui ocorreram. A Câmara Municipal refere a título de exemplo:

“Em 1226, D. Sancho II atribui a Marvão o seu primeiro foral, um dos primeiros forais régios no Alentejo.

A importância estratégica de Marvão - e de outros Castelos da raia - levam D. Dinis a disputá-lo a seu irmão D. Afonso, no ano de 1299, apoderando-se da fortificação”.

Na crise de 1383-1385 dá-se a tomada do Castelo por forças partidárias do Mestre de Avis, após renhido combate que durou meio dia.

Aquando da Guerra da Restauração de 1641-1668, a velha fortificação medieval é reabilitada face às novas tecnologias de guerra, ficando abaluartada nas zonas sensíveis e transformando-se o Castelo na sua cidadela. No decorrer da guerra desempenha um importante papel na defesa do Alto Alentejo”.

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