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Fui uma vez mais surpreendido pela New Yorker. Desta vez foi Richard Brody, um crítico de cinema que escreve regularmente na revista e autor do livro “Everything Is Cinema: The Working Life of Jean-Luc Godard”.:
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Brody fala-nos da sua lista de melhores filmes da década que são, segundo ele, “the twenty-six best movies I’ve seen”. Trata-se de uma lista polémica com obras discutíveis, a maioria das quais não muito conhecidas e muito pouco comerciais. Uma viagem pelo mundo com realizadores e obras de vários países e sobre os mais variados temas. Brody é um erudito da sétima arte, um especialista em cinema “hermético” e um apreciador de escolhas arrojadas. Do francês Jean-Luc Godard ao chinês Wang Bing, Eastwood e Ingmar Bergman temos uma montra de especialistas e de metódicos, onde curiosamente o cinema americano não tem muito significado.
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Mas o mais surpreendente na sua lista é a inclusão de dois filmes portugueses. O primeiro, classificado em quarto lugar, no grupo dos dez melhores é “Um Filme Falado” de Manuel de Oliveira, realizado em 2003. O segundo, integra a lista dos dezasseis outros filmes, sem ordem de preferência, é “Juventude em Marcha” de Pedro Costa, realizado em 2006.
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É curioso que estes dois filmes integrem esta lista erudita de Brody quando em Portugal passam completamente despercebidos. É um facto que existe um certo preconceito relativamente a obras e realizadores portugueses, por diversas razões, umas mais fundamentadas e realistas do que outras. Eu próprio me penitencio por preferir, sistematicamente, filmes americanos e trabalhos mais comerciais. Deixo-me seduzir pelo marketing e por certas temáticas mais actuais, porventura. De qualquer forma devemos reconhecer mérito a muitas obras comerciais, quer pela qualidade de representação, quer pela hábil politica de divulgação adoptada. Gran Torino, obra de Eastwood, é disso um bom exemplo, já aqui referido num post anterior, integra também a lista de Brody.
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Confesso que sinto um certo estigma relativamente à obra de Manuel de Oliveira, facto que não acompanha a enorme admiração que nutro pela personagem. Admiro a sua vontade de viver, a sua imensa capacidade de produzir, o seu amor ao cinema. Oliveira, como acontece com muitos outros portugueses, é mais reconhecido e melhor tratado no estrangeiro. Fora de portas apreciam-nos com maior isenção e sem cobiça ou inveja.:
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Estimulado pela classificação da New Yorker e tomado pela curiosidade assisti a “Um Filme Falado” de Manuel de Oliveira. É sem dúvida uma obra muito rica e interessante. Um documento histórico que relata uma viagem pela civilização. Funciona um pouco como uma aula de história e um "banho" de cultura.
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Rosa Maria, a personagem principal, é professora de história e toda a vida ensinou os clássicos, o nascimento e a evolução das civilizações. Agora, na sua viagem pela civilização Mediterrânea, para se encontrar com o marido em Bombaim, vai poder visitar os locais com que sempre tinha sonhado. Na companhia da filha que simboliza a evolução e a vontade de aprender, visita Ceuta, Marselha, as ruínas de Pompeia, Atenas, as pirâmides do Egipto e Istambul, evocando assim tudo o que de decisivo marcou a nossa cultura ocidental.
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Apesar do ritmo habitual de Manuel de Oliveira estar bastante presente, a evolução temporal e sobretudo a mudança de geografias atenuam este facto, tornando o filme numa espécie de documentário histórico. Actores de primeira linha como John Malkovich e Catherine Deneuve contribuem igualmente para dar aquele toque de qualidade que um realizador português tem sempre dificuldade em alcançar de per si.
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Registo o diálogo entre mãe e filha sobretudo no que à componente histórica diz respeito. "As referências às guerras sucessivas, religiosas e económicas que acabaram por fundar o substrato cultural, não homogéneo, do continente europeu, em que elementos da cultura greco-romana, árabe e de várias religiões se misturam".
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Um documento de cultura bastante bem conseguido, que enriquece o nosso património de conhecimento.