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Dorothea Lange (1895-1965) é considerada a melhor fotógrafa americana de documentário, de sempre. Retratou magistralmente os efeitos sociais da Grande Depressão de 1929 sobre o americano rural, e as suas imagens constituem documentos históricos de valor incalculável que nos ajudam a compreender e a conhecer as verdadeiras consequências de um período de grandes carências.
O poder avassalador e a crueza das suas imagens retratam as dificuldades por que passaram milhares de americanos afectados pela crise económica e pela seca prolongada que dizimou as plantações verdejantes das planícies centrais, nos estados do Midwest. Lange acompanhou a enxurrada migratória das populações atingidas, em direcção à Califórnia e ao Arizona, sentiu as contrariedades e acompanhou as jornas de sol a sol.
A sua fotografia mais famosa, "Migrant Mother", que se encontra na Library of Congress, em Washington DC, foi tirada em 1936 a uma mulher do Oklahoma que trabalhava nos campos de ervilhas de Nipomo, na Califórnia. A mulher, uma viúva com sete filhos que sobrevivia alimentando-se de ervilhas apanhadas nos campos e de pássaros apanhados pelos seus filhos, cativa-nos e impressiona-nos pela sua face de sofrimento envolvida por três dos seus filhos, comove-nos pela dor, pelo alheamento e pelo olhar triste.
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Esta imagem tornou-se um símbolo daqueles que sofreram os efeitos devastadores da Depressão. Foi publicada no San Francisco News e permitiu que fosse dada uma ajuda ao campo de agricultores onde a mulher vivia. Segundo as palavras da própria Dorothea Lange publicadas na Popular Photography: “I did not ask her name or her history. She told me her age, that she was thirty-two. She said that they had been living on frozen vegetables from the surrounding fields, and birds that the children killed. She had just sold the tires from her car to buy food. There she sat in that lean-to tent with her children huddled around her, and seemed to know that my pictures might help her, and so she helped me. There was a sort of equality about it”.
John Steinbeck na escrita, à semelhança de Dorothea Lange na fotografia, retrata-nos também no seu romance, “As Vinhas da Ira” (Nobel da Literatura em 1962), como só ele sabe, a história de uma família de agricultores sem terra que migram do Midwest para a Califórnia, atravessando uma área paupérrima e semi-árida conhecida como Dust Bowl. Pelo caminho, encontram os escombros do sonho americano, a exploração e a violência dos grandes proprietários rurais e as condições aviltantes de acampamentos de trabalhadores temporários.
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Este brilhante clássico narra os aspectos gerais do problema, analisa a miséria humana, tanto de abastados proprietários de terras como dos emigrantes e conta-nos a saga da família Joad, em busca de uma vida melhor.
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As dificuldades hoje sentidas são diferentes, o grau e a dimensão da crise é inferior e os instrumentos de então eram incomparavelmente menos desenvolvidos do que os de hoje. Não existiam as actuais redes públicas de protecção social e a própria teoria económica tacteava em busca de instrumentos que pudessem lidar com uma crise daquela brutalidade.
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Obama enfrenta uma recessão menos pronunciada. Os pobres dispõem de redes de protecção criadas pelo New Deal ou pela onda reformista da década de 1960 que impedem a miséria e o desespero observados na Grande Depressão. O Partido Democrata está fortalecido pelas vitórias recentes e deixou de carregar o fardo de um sul conservador.
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Efectivamente, muito tem sido escrito sobre as semelhanças da crise actual com a Grande Depressão, muito tem sido dito e escrito sobre as semelhanças entre Barack Obama e Franklin Roosevelt (voltarei a este tema num próximo texto). A agenda do actual Presidente, eleito com uma áurea mística e promissora, na minha opinião demasiadamente alimentada pela sua equipa directa, não constitui tarefa fácil como se tem vindo a tornar cada vez mais evidente. Implementar a reforma no sistema de saúde, estimular o crescimento económico, resolver a crise financeira e encontrar soluções (já não digo vitórias) para as guerras no Afeganistão e no Iraque.
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Obama não tem conseguido avançar na sua agenda, ao contrário das elevadas expectativas para os seus primeiros 100 dias de governo e ao contrário das semelhanças, que há força se quiseram encontrar com a onda de empreendorismo do início do mandato de Roosevelt. A popularidade do novo presidente cai significativamente e em algumas sondagens está mesmo na faixa dos 40%.
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Obama não é Roosevelt, nem a crise actual pode ser resolvida da mesma forma como foi debelada a Grande Depressão de 1929. Ainda é cedo para afirmar o que acontecerá, mas o início não tem sido promissor.
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