Este passado fim-de-semana tive oportunidade de assistir ao último filme de Clint Eastwood – Gran Torino. Eastwood não se cansa de nos brindar com filmes extraordinários e interpretações magistrais. Desta vez a temática é o racismo, a forma como lidamos com ele, e a crise de valores que afecta uma América suburbana em profunda transformação.
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Eastwood é Walt Kowalski, um ex-combatente da Guerra da Coreia e operário do ramo automóvel aposentado que passa os seus dias no alpendre de casa observando a vida que se aproxima do fim e a agitação do bairro. Toma cerveja, acaricia o seu cão e critica os seus vizinhos Hmong. Uma casa grande com um pátio modesto e uma grande garagem. É lá que se encontra a sua relíquia mais preciosa. O Ford Gran Torino, modelo 72, adquirido nos velhos e bons tempos da Ford, empresa onde trabalhou boa parte da sua vida. A cave da casa é, após a morte da mulher, o último reduto da nostalgia. Caixas velhas, álbuns de fotos e outras recordações espalhadas pelo chão.
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Os Hmong são um grupo étnico da região do sudeste Asiático que lutou ao lado dos americanos na Guerra da Coreia. A grande maioria veio para os Estados Unidos depois da invasão comunista do Laos, em 1975, provenientes de campos de refugiados na Tailândia. Ao primeiro grupo de 3466 refugiados foi concedido asilo, ao abrigo do “Refugee Assistance Act” de 1975. Nos anos seguintes, o número de refugiados aumentou e, em 1978, eram já trinta mil. A maioria destes grupos viria a fixar-se na Califórnia, Minnesota e Wisconsin.
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Clint Eastwood coloca-nos perante uma América suburbana que vê os seus valores em perigo. Um lugarejo com jovens sem respeito e sem noção dos valores, educados por adultos negligentes e passivos, de famílias fugazes e desunidas. O dilema de uma América profunda que se vê invadida por estrangeiros com culturas próprias e costumes particulares que vêm ocupar os reduzidos espaços, de puro americanismo que restam no país. Ao mesmo tempo, a Igreja debita o seu discurso tradicional e alienante, sem o mínimo conhecimento de causa.
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Na realidade, a visão amarga do protagonista serve apenas para expor um microcosmos social da sociedade americana, julgado pela óptica de uma pessoa que, se por um lado é preconceituosa e resistente às mudanças, por outro tem as suas razões intrínsecas.
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Na minha opinião, trata-se de um excelente filme sobre a solidão de um homem como escolha de vida, que se afasta de qualquer convívio convencional – ele não precisa de suportar uma família medíocre com quem não se identifica e que não o estima – para ficar só com os seus demónios, carregados desde a guerra em que participara, na juventude. Conservador clássico, é tocado pela injustiça que vê irromper ao seu lado, e é então que toda a grandeza do ser humano íntegro e decente se revela, magistral e tocante, na solução que encontra para si e para os outros.
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