sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Guernica e o Espírito da Revolta

:
Pablo Picasso possui um espólio artístico riquíssimo e muito eclético. Desde pinturas a desenhos, esculturas, aguarelas, objectos variados, instalações indiferenciadas. Picasso produziu um pouco de tudo e graças à sua imaginação prodigiosa enriqueceu de forma considerável o património artístico mundial. Mas de todas as suas obras, duas destinguem-se pelo seu impacto e pela sua relevância para o mundo da arte.

Falo das Demoiselles de Avignon e de Guernica. A primeira exposta no MOMA em Nova Iorque e a segunda, agora no Reina Sofia em Madrid. Depois de há quatro anos atrás ter estado com a primeira, estive agora com a segunda, entretanto regressada de casa da primeira.
:

Guernica impressiona. Impressiona, desde logo, pela sua grandeza, pelo seu significado, pela sua beleza desconcertante e sobretudo pela sua mensagem subjacente. A obra-prima de Pablo Picasso não é apenas uma pintura estupenda, mas um elemento importante da política de Espanha ao longo do turbulento período que vai da guerra civil, na década de 1930, à redemocratização dos anos 80.


Picasso pintou Guernica em apenas cinco semanas. Angustiado pelas sucessivas victórias dos fascistas na guerra civil e o bombardeamento da pequena aldeia basca pelos aliados alemães, teve um sinal de revolta e um assomo de fúria que se traduziu na pintura que criou.
:

As reações iniciais à sua obra foram contraditórias, mas em pouco tempo o quadro consolidou-se como símbolo da arte moderna, bandeira de luta da esquerda no contexto da luta anti-fascista.
:
“A ditadura de Franco sobreviveu a Picasso. Contudo, a modernização económica da Espanha a partir da década de 1960 também significou um esforço – limitado e contraditório – do regime autoritário em aceitá-lo como parte do património cultural do país”. Guernica continuou em Nova York durante muitos anos, centro da romaria de turistas e refugiados espanhóis. O quadro só voltou a Espanha em 1981, no centenário do nascimento de Picasso. Na altura foi considerado pela impressa espanhola como “o último exilado”.
:

:
Para o crítico americano Clement Greenberg: “Guernica é a última grande reviravolta decisiva na evolução da arte de Picasso. Um retrato cubista em preto e branco de uma cena sombria, a pintura lembra uma batalha, construída dentro de uma ilusão mínima de profundidade, quase plana, com um simbolismo difícil de decifrar, particular, que mesmo diante de elementos conhecidos resiste à precisão de uma interpretação”.
:
Julgo que uma das chaves para entender este quadro está na resposta de Picasso a um oficial nazi que lhe fez a pergunta perante a fotografia do quadro: “Foi você que fez isso?” ao que Picasso respondeu: “Não, vocês o fizeram”.
:
Na estilização ou nos destroços das imagens do quadro podemos ver ou imaginar: rostos, cabeças e braços partidos, um cavalo apavorado, um touro imóvel, uma casa em chamas, mãe e filho mortos, uma espada partida e uma flor, angústias e gritos. Imagens sobrepostas e uma desordem geral. Um teatro do caos, a vida massacrada pela tecnologia.

Esta pintura, além mostrar a reação quase carnal de Picasso ao bombardeamento da antiga capital basca pelos aliados alemães de Franco, em abril de 1937, revela a sua vontade e a sua capacidade em transformar a linguagem da arte.

Sem comentários: