quinta-feira, 10 de junho de 2010

“Walking In The Rain”

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Chove copiosamente, o trânsito está caótico, às três da tarde quase não se consegue circular na 7ª Avenida. Nova Yorque está como sempre igual, na sua metamorfose constante. As buzinas dos táxis trespassam os tímpanos dos turistas, um mar de chapéus-de-chuva ornamenta Times Square e os autocarros descapotáveis continuam na sua azáfama diária, agora repletos de turistas encapuçados. Nada pára Manhattan, o frenesim está-lhe nos genes, a miscigenação circula-lhe nas veias, o dinamismo é um traço do seu carácter.
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Chegar a esta cidade ajuda-me a renascer, andar nestas ruas limpa o meu espírito, cruzar-me com estas raças rejuvenesce-me. Não conheço nada que se lhe compare e acabo sempre a repetir-me nos elogios a esta metrópole. Ano após ano, mês após mês, crise após crise, Nova Yorque parece cada vez mais imune e imperturbável na sua personalidade.

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Ainda agora cheguei; cansado, maçado, mal dormido, mas nada me impede de mergulhar nesta multidão, nada me segura no quarto do hotel. Procuro conforto para o estômago e dirijo-me para a rua 57, tenho o “Le Pain Quotidien” em mente mas acabo no Café Europa, curiosamente. De europeu tem pouco; a simpatia, a hospitalidade e a gastronomia são claramente americanas. Sento-me de frente para a rua. Tenho a 7ª Avenida em toda a sua extensão, no meu campo de visão, vislumbro ao fundo os néones de Times Square. Deixo-me estar, agora que me sinto mais confortável. Observo atentamente o mundo lá fora. Esta gente circula a grande velocidade, sinto que se envelhece mais depressa nesta cidade, que o tempo não tem tempo, que vida não pára um só segundo. Um casal de jovens acabados de sair do altar dirige-se em passo rápido para o primeiro táxi que se digna a parar. Dezenas de chapéus-de-chuva aguardam em fila ordeira para entrar no Carnegie Hall, a qualquer hora se almoça ou se janta, em qualquer esquina nos cruzamos com executivos em trânsito ou com um qualquer sem abrigo que dorme ao relento. Nova Yorque é isso mesmo, esta capacidade infindável de nos embasbacar, de nos estarrecer.
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Por esta janela contemplo a alma desta cidade, através deste vidro molhado percebo como somos diferentes e porque somos diferentes. Não me deixo deprimir pela voracidade das oportunidades que me escapam. Aproveito para visitar “The Art Students League of New York”, ali mesmo ao lado. Já aqui vim várias vezes e sempre me surpreendi com a qualidade dos trabalhos que encontro. Esta escola de elite, florescente no seu edifício oitocentista renovado, lembra-me a “School of the Arts “ da série Fame, que tanto apreciei na minha juventude. Pinturas, esculturas e desenhos expostos no 2º andar, aquele cheiro a carvão e a lápis afiado, um placard com notas, um cavalete esquecido, esta escola tem história e histórias.
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Para concluir o percurso, antes de me recolher para um descanso mais do que merecido, nada como visitar “Columbus Circle”. A comunhão entre o elitismo e o mundano, o sabor do requinte, o toque da distinção tão característico nesta zona da cidade. E surpreendentemente, neste mundo à parte, uma exposição de pinturas alusivas ao mundial de futebol. Um quadro a representar cada um dos países participantes. Portugal lá está e o nosso ícone maior, o insubstituível, o único, o garanhão – Ronaldo, em primeiro plano.
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Pairo agora sobre as nuvens e deixo-me embalar pela vibração que transpira, pelo ruído da chuva que persiste lá fora. Nova Yorque está em mim, faz parte do meu ser.

1 comentário:

auxília disse...

Jurava que senti os pingos da chuva neste percurso pela cidade...
Mesmo à distância, sob um olhar emprestado, essa cidade fascina-me!