Não posso deixar de reproduzir a última crónica de Inês Pedrosa, no Semanário Expresso. Subscrevo-a na íntegra uma vez que traduz aquilo que, de forma tão transparente, penso e que sempre tenho procurado exprimir nos textos que tenho deixado aqui no blog.
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"Já sabíamos que Nova Iorque resiste a tudo, da mais inócua inveja aos massacres do ódio cego. É essa coragem - tão judaica - de renascer sempre, e com uma energia construtiva imparável, que faz o génio luminoso desta cidade. Resistirá também a mais esta crise, sem dúvida. Eu nunca tinha visto Nova Iorque desgrenhada de desalento, e julgava que esta seria uma visão impossível. À ingratidão ela responde com orgulho e riso, do desespero faz raiva e força; agora encontro-a de chinelos de quarto e olhos papudos - sem sequer ter no dedo um cigarro para baforar de boémia a tristeza hiper-realista que lhe caiu em cima.
......................................................Cultura Americana
O que eu mais gosto de fazer em Nova Iorque é andar a pé. O meu amigo Jorge Colombo, que mora nela há muitos anos, habituou-me a passear pela cidade como por um imenso e mutante museu. As ruas de Nova Iorque são um mostruário do mundo e um caudal de inspiração. Acresce que ao lado do Jorge é impossível deixar escapar um qualquer pormenor deste particular universo urbano. Depois dos dailies (retratos de nova-iorquinos sortidos), Colombo faz agora iSketches, desenhos da cidade no iPhone, a pinceladas fortes, com a ponta dos dedos - a inovação foi saudada na comunicação social americana e inglesa e eis que, no auge da crise, Colombo se viu convidado para expor e vender estes trabalhos numa galeria de arte virtual.
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Nas ruas de Nova Iorque sucedem-se as lojas fechadas com anúncios para venda - muitas delas ginásios. As pessoas voltam a ser treinadoras pessoais de si mesmas. A imprensa, a começar pelo "Wall Street Journal", publica comboios de textos gabando os méritos da alma (um vício barato). Muitos restaurantes estão vazios, mesmo à sexta-feira à noite. Fecharam revistas - ou mudaram as suas sedes para estados e cidades mais baratos. A falta de dinheiro vê-se, pesa no ar. Por outro lado, há um espírito de harmonia na cidade. Nas banquinhas de recordações para turistas, alinham-se estatuetas de Obama, T-shirts com louvores ao herói Obama, canecas encomiásticas com a cara de Obama. Falta o toque a mentol e maldade que fazia o picante da cidade no tempo em que estava cheia de vudus-Bush. Por quanto tempo continuarás santificado, Barack Obama? Ainda bem que não és branco, nem mulher. Sempre o estado de graça dura mais um bocadinho. Na capa da "New Yorker", o desenho do famoso cão de água português, posando solitário nos imensos relvados da Casa Branca, com focinho de quem pergunta uma de duas coisas: a) que faço eu aqui? b) como é que o meu dono vai safar-se? Mesmo desalentada, Nova Iorque sabe rir-se de si mesma e trabalhar sobre esse riso estimulante. Faz da frugalidade a nova moda e avança para o futuro.
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Há nos Estados Unidos uma cultura da participação cívica e da gratidão que se mostra extraordinariamente eficaz: as universidades são largamente sustentadas por benfeitores, muitos deles antigos alunos, que assim retribuem a formação recebida. Um aluno brilhante sem capacidade para pagar as propinas terá uma bolsa de estudo. Acresce que há também uma cultura de trabalho juvenil (na restauração, limpeza ou baby-sitting) para pagar os estudos superiores - cultura essa que favorece o empenhamento nos estudos, porque o que é difícil tem sempre mais valor. A crise acabará por desaparecer - ao contrário das universidades, dos estudantes, dos livros e do sol."
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